Tomás Pinto Brandão

Tomás Pinto Brandão: Era o coronel, o pontífice dos poetas biltres do século XVIII. Nasceu no Porto, floresceu em Lisboa e apodreceu em 1743, não sei onde. Rivalizou com o brasileiro Gregório de Matos no calão de bordel. As suas poesias honestas são más; as fesceninas avantajam-se em graça às de Bocage. No tempo de Tomás Pinto, e do Camões do Rossio, do Lobo e de Frei Simão António de Santa Catarina, cinzelavam-se os rendilhados de uma poesia obscena com buril delicado. Era um Ideal que os porteiros dos palácios deixavam entrar aos toucadores das condessas. O Salomão português não cantava as suas morenas, nem as que tinham seios como dois filhinhos gémeos da cabra montesa que pasce entre açucenas, e mais formosos que o vinho, segundo reza a Bíblia. D. João V usava os poetas como afrodisíacos; a uns fazia corregedores de bairros como a Sottomayor, a outros pregadores régios como a Frei Simão e Frei Pedro de Sã. Nenhum dos devassos notáveis pediu esmola como o bacharel Domingos Maximiano Torres, que fazia versos sérios e doutrinais.

Tomás Pinto era benquisto das condessas da corte, que o admitiam às folias da sua estúpida ociosidade. É o que se depreende da poesia que lhe aproveitei de entre as suas, inéditas, creio eu. Parte daquelas condessas explica os condes que gerou. Os netos, presentemente, restauram-se, lidam, ao envés da atrofia intelectual dos pais; agarram um boi; e, se não figuram muito distintamente no Jockey Club, é porque, à falta de cavalos, seria indecoroso e estranho aos estatutos do sport, correrem-se uns aos outros.

Camilo Castelo Branco



DÉCIMAS

Senhoras, eu ‘stou picado;
Tenham Vossas Excelências
todas quantas paciências
eu tive no seu chamado;
cuidei que por achacado,
doídas da minha tosse
a meter-me-iam na posse
de uma merenda afamada,
e que achava quando nada
cinco condessas de doce.

Não me enganei, porque alfim
todas vinham cheias grátis
de vanitas vanitatis,
que isto é fofa em latim.
Tomara eu para mim,
por bem ganhada fazenda,
quanta folhage’ estupenda
traziam nas suas rodas,
mas com tal donaire todas
que puxam por muita renda.

Oh! quem pudera cantar
(para bem me vingar dela)
uma que à sua janela
mil vezes vejo Assumar!
Mas obriga-me a calar.
Outra da mesma feição
que é capaz, e com razão,
de prantar-me no focinho,
que farto de S. Martinho
tenho sede a S. João.

Outra branca em demasia
não era tão confiada,
posto que estava enfiada
talvez do que não queria:
mas na flor, na louçania,
na suavidade e na cor,
podia largar o amor
por ela redes e barcos,
porque debaixo dos Arcos
não vi semelhante flor.

Outra tesa de pescoço
me chamou, por embeleco,
magro, quando não sou seco:
velho, quando sou seu moço;
desdentado, quando eu posso
morder (como bem se prova
no estilo da minha trova).
Mas, se a chamar nomes vai,
ouça novas de seu pai,
folgará de Ouvi-la nova.

Outra prezada de prosa,
e em tudo perliquiteta,
bem mostra no ser discreta
quanto seria formosa:
por criar sangue, teimosa
comigo esteve a intender,
e a picar; mas a meu ver
creio que escusava tal;
Pois de sangue em Portugal
veias tem como é mister.

Uma hora de ajoelhar
me tiveram posto ali;
mas se faltaram a si,
eu a mim não sei faltar;
que não quero arrebentar
disso que vim embuchado,
pois sem comer um bocado
por tão vergonhoso meio,
não deixei de vir bem cheio,
porque sal muito inchado.

Enfim, se neste tratado
alguma tenho ofendido,
já me prostro arrependido
de ser tão arrazoado:
já tenho desabafado;
já disse tudo o que quis;
porém neste, enquanto diz
a musa praguejadora,
que qualquer é mui senhora
do seu doce, e seu nariz.

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