Augusto César Ferreira Gil (1873-1929) nasceu em Lordelo do Ouro, Porto, e faleceu em Lisboa. Estudou inicialmente na Guarda, donde os pais eram oriundos, e formou-se em Direito na Universidade de Coimbra. Começou a exercer advocacia em Lisboa, tornando-se mais tarde director-geral das Belas-Artes. Na sua poesia notam-se influências do Parnasianismo e do Simbolismo. Influenciado pelo lirismo de António Nobre, a sua poesia insere-se numa perspectiva neo-romântica nacionalista. Obras poéticas: Musa Cérula (1894), Versos (1898), Luar de Janeiro (1909), O Canto da Cigarra (1910), Sombra de Fumo (1915), Alba Plena (1916), O Craveiro da Janela (1920), Avena Rústica (1927) e Rosas desta Manhã (1930). Crónicas: Gente de Palmo e Meio (1913).
Obras integrais do autor disponíveis no Projecto Vercial:
Luar de Janeiro
Alba Plena
Musa Cérula
Versos
Gente de Palmo e Meio
LUAR DE JANEIRO
GRÃO DE INCENSO
Encontraste com ar cansado
Numa igreja fria e triste.
Ajoelhei-me ao teu lado
E nem ao menos me viste...
Ficaste a rezar ali,
Naquela imensa tristeza.
Rezei também, mas a ti.
Que aos anjos também se reza...
Ficaste a rezar até
Manhã dentro, manhã alta.
Como é que tens tanta fé
E a caridade te falta?...
Luar de Janeiro
BALADA DA NEVE
Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.
É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho...
Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.
Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria...
Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!
Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho...
Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança...
E descalcinhos, doridos...
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!...
Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...
E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
e cai no meu coração.
Luar de Janeiro
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