Maria Amália Vaz de Carvalho

Maria Amália Vaz de Carvalho

Maria Amália Vaz de Carvalho (1847-1921) nasceu e faleceu em Lisboa. Casada com o poeta Gonçalves Crespo, a sua residência tornou-se no primeiro salão literário de Lisboa, tendo-o frequentado Camilo, Ramalho Ortigão, Eça de Queirós, Guerra Junqueiro e muitos outros. Além de poetisa consagrada pelos intelectuais da época, escreveu crónicas jornalistas em vários jornais, entre eles o Diário Popular, assinando-as com o pseudónimo Valentina de Sucena. Dedicou-se a questões como a educação e o papel da mulher na sociedade da época. Foi a primeira mulher a ingressar na Academia de Ciências de Lisboa. Obras poéticas: Uma Primavera de Mulher (1867, poema em quatro cantos), Vozes do Ermo (1876). Ficção: Arabesco, Cartas a uma Noiva (1911), Crónicas de Valentina, Contos para os Nossos Filhos. Crítica e história: Vida do Duque de Palmela D. Pedro de Sousa e Holstein (1898-1903), A Arte de Viver em Sociedade (1895), Serões no Campo, Figuras de Hoje e de Ontem (1902), Cérebros e Corações (1903), Ao Correr do Tempo (1906), Impressões da História (1909), etc.




A REABILITAÇÃO DO AMOR


À indiferença oponhamos o amor, à dúvida oponhamos a fé.

O céu tem ainda o azul radiante dos dias da mocidade; a natureza é ainda a bela insensível, que assiste radiosa e iluminada às nossas lágrimas eternas, que o vento enxuga num momento!

Contemplemos de mais alto a evolução dos ideais e a transformação das coisas.

Se na terra somos efémeros de uma hora, nunca se quebra a cadeia que se vai forjando, dos ideais belos que concebemos ao passar.

Soframos, tal é o nosso destino e quase o nosso dever, mas amemos, que é o meio de tornarmos fecunda para os outros a dor que acima de nós mesmo nos levanta, a dor que é inspiração de todo o bom, de todo o belo, que em nós há.

O pessimismo leva à abdicação da vontade, à própria negação do sofrimento, pela completa insensibilidade a que aspira, e que de vez em quando já começa a atingir.

Não vale a pena! Eis a divisa da nossa desolada geração!

Pois é necessário que, em contradição e em protesto a este lema egoístico, se levante das nossas entranhas de mães, dos nossos corações de mulheres, um grito de amor intenso, um grito de amor fecundante e poderoso.

Porque um dos defeitos da nossa quadra é este: depois de termos da do ao amor um lugar enorme, predominante, decisivo e tirânico, tendemos a cercear-lhe todos os direitos, a destruir-lhe todas as influências boas.

O nosso século, que por meio de radiante romantismo fez do amor o Deus pagão que foi na Renascença, hoje, pela escola científica do temperamento e do meio, vai fazer do amor um poder inconsciente, que, segundo as circunstâncias em que é chamado a actuar, é um órgão de reprodução animal, ou um elemento de corrupção dissolvente.

Reabilitemos o amor.

Façamos dele alguma coisa de mais ou de menos do que o estão fazendo os mestres da literatura contemporânea, fotógrafos, neste ponto, dos costumes decadentes da época.

Ele não é a suprema e última embriaguez embrutecedora em que a humanidade tende a adormecer, como essa literatura de sensualismo agonizante, parece querer demonstrar-nos; pelo contrário, ele, é a fonte da eterna juventude em que, os velhos, da velhice precoce deste século, da velhice que se traduz pelo excesso do pensamento e da sensação, podem ainda retemperar as forças exaustas; é dele que podem ainda partir as grandes iniciativas transformadoras, as poderosas e viris energias, os sonhos iluminados da virtude e do bem.

Cartas a Luísa


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