João Chagas

João Pinheiro Chagas

João Pinheiro Chagas (1863-1925) nasceu no Rio de Janeiro, Brasil, e faleceu no Estoril. Foi preso por defender ideias republicanas radicais no jornal A República Portuguesa, fundado por si em 1892. Chefiou em 1911 o primeiro governo constitucional. Foram publicados postumamente o Diário de um Condenado Político (1929) e a Correspondência Literária e Política (1937).




DIÁRIO DE UM CONDENADO POLÍTICO

(extracto)

Em virtude de circunstâncias que perderam interesse e que não vale a pena recordar, os governos do meu país, que tanto timbram em favorecer prevaricadores como se empenham em perseguir os homens de pensamento que ousam dizer-lho, obrigaram-me um dia a abalar, caminho de África, em um navio mercante que, entre tripulação e reses, conduzia a seu bordo funcionários do Estado, negociantes de café e degredados de 1ª classe. Eu pertencia a este número.

Durante essa viagem, e, mais tarde, em um presídio de Angola, ao acaso e no desconforto de uma existência violenta, escrevi para um jornal do Porto um grande número das cartas que vão ler-se (1). A essa correspondência chamei impropriamente Diário: não foi isso o que saiu. Obedecendo mais aos impulsos do mau temperamento do que as sugestões do meu instinto literário, desviei-me do plano que primitivamente traçara, e, logo encetado, o meu Diário tinha perdido o seu carácter de memorandum íntimo para passar a ser o que foi, uma obra de combate, estridente e pública. Mas assim a designara antes de a encetar, assim ficou sendo conhecida e assim me obriguei a reproduzi-la. Contém ela, é certo, algumas páginas de fantasia e sonho – fugas de uma alma inquieta, diversões de um espírito sequioso: não são, porém, em tão grande número que lhe imprimam o cunho que perdeu.

(1) Trata-se do jornal A Portuguesa, fundado em 1892, no Porto. Este jornal continuou a tradição de um outro, A República Portuguesa, fundado por João Chagas e proibido em virtude dos constantes ataques às instituições monárquicas veiculados através das suas páginas.

João Chagas, Diário de um Condenado Político, Lisboa, Alfa, 1990. Introdução e notas de António Pedro Manique, p. 15.


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