João-Maria Nabais, Licenciatura em Medicina e Cirurgia, Faculdade de Medicina da Universidade Clássica de Lisboa 1974; Grau de Assistente Hospitalar de Pediatria Médica dos H.C.L.-1985; admitido no Colégio das Especialidades de Pediatria Médica, da Ordem dos Médicos 1995; Actualmente, exerce as funções de Assistente Hospitalar Graduado de Pediatria Médica na Sub-região de Saúde de Setúbal e no S.A.M.S.; Integra o Núcleo de Pedopsiquiatria; Grupo de Fundadores da revista literária SOL XXI e da Direcção da Associação Cultural SOL XXI. Escreve há vários anos regularmente para várias revistas e jornais. Tem sido distinguido por mais de uma vez Prémio Moldarte Pintura / 87; Prémios António Patrício de Poesia / 96 e 02, com os livros Poemas e Sons de Urbanidade, ambos pela Sociedade Portuguesa de Escritores e Artistas Médicos; Medalha de Mérito Cultural da Associação de Escritores Médicos e Jornalistas de Bucareste Roménia / 04.
Tem mais de uma centena de artigos e ensaios publicados nas áreas das Ciências da Saúde; História da Medicina; Escritores Médicos e Literatura.
Obra Poética:
O Silêncio das Palavras (prefácio de António Salvado) 1992; Crepúsculo das Noites Breves (prefácio de António Manuel Couto Viana), Sol XXI, 1996; Instantes e Vivências (prefácio de Ulisses Duarte) 1997; POEMAS 1997; >Novos Navegantes* (prefácio de Urbano Tavares Rodrigues), Universitária Editora, 1998; MemÓrias de Amor e Sedução (prefácio de José Fernando Tavares), Universitária Editora, 2000; Cidade dos Rios (prefácio de Glória Bastos), Ed. Ceres, 2001; Sons de urbanidade* (prefácio de Maria de Jesus Barroso Soares), Colibri, 2001; ESPÍRITO DO VENTO prefácio de Armando Moreno) 2002; MONSARAZ (prefácio de Joaquim Quitério), Ed. Ceres, 2002; Palhais [prefácio de Luís Dantas], Ed. Ceres, 2002; Criança, Um Tempo De FUGA 2002; INTERIOR À LUZ (prefácio de Carla Marina), Ed. Ceres, 2003; O Lugar e o Mito (prefácio de Amílcar Romano), Ed. Ceres, 2005.
* Inclui um CD.
Conferências, mais importantes [Textos & Datas]
Estêvão Rodrigues de Castro (1559-1638), esse desconhecido - 5º Congresso Internacional da UMEAL, Bahia - 1997; A Inspiração - 7º Congresso Internacional da UMEAL, Recife - 2000; pp. 90-94; Amato Lusitano, un monde à decouvrir - 45º Congresso Internacional de Escritores Médicos, Atenas - 2001; pp. 36-40; A Importância de Amato Lusitano na Medicina do século XVI Congresso Internacional de História da Medicina, Faculdade de Ciências Médicas, Lisboa 2001; Miguel Bombarda e as Singularidades da Geração de 70 com Antero de Quental - 1º Congresso Internacional de Cultura Humanística-Científica Portuguesa Contemporânea Universidade de Coimbra, Março 2002; The Dracula Romance Within The Context of The 19TH Century Medicine- 47º Congresso Internacional de Escritores Médicos, Bucareste Setembro, 2003; The Diaspora of the Portuguese Sephardic Doctors, Associação de Amizade Portugal-Israel; Saudade’s Second Conference Tour, Lisboa Abril, 2004; Um Estudo Compreensivo da Alma do Médico-Escritor, 48º Congresso União Mundial Escritores Médicos, Viana do Castelo Setembro, 2004; A Medicina nas Artes III Congresso Internacional de História de Arte, Porto Nov. 2004; O Hospital Dona Estefânia, um símbolo de modernidade no Portugal de oitocentos Sociedade de Geografia de Lisboa (Secção de História da Medicina) Jan. 2005.
A sua obra literária encontra-se distribuída por várias antologias e especialmente citada
Aquedutos em Portugal (livro em edição bilingue) - Líber / Epal, de 1991.; O Mundo Fascinante da Medicina (vol. A Medicina e a Arte), de 1997, por Armando Moreno; A Paisagem Interior - vol. I (crítica e estética literárias) de 2000, do José Fernando Tavares; Aromas & Cheiros, CD com dois poemas 2000; Pintura em Portugal 2001; Amato Lusitano nos Cadernos de Cultura " Medicina na Beira Interior - da pré-história ao século XXI" 2004; Revista Boca do Inferno, n.º 9 e 10, Câmara Municipal de Cascais - 2004 e 2005; Revista Egoísta Junho 2004; Homenagem a Teixeira de Pascoaes, com o ensaio Teixeira de Pascoaes, notas breves para uma biografia Outubro 2004; Poesia Portuguesa Contemporânea, edição russa bilingue (com os 25 maiores poetas portugueses actuais) São Petersburgo 2004.
sono limiar
O dia ainda não terminou
para mim
apesar da amante noite
cobrir-me
o olhar nublado
no trajecto das palavras
desalinhadas
ao longo da pena
e uma vaga de mar
invade o sono
limiar
logo desperta
uma zoada invisível
no jardim do lago
com as cigarras
timbaladas
a cantar
um ritual secreto
igual
à vibração dos búzios
num espelho de água
o espírito
cada vez mais distante
alienado
a lembrar o primeiro sonho de amor
plátano
Arco voluptuoso
membro viril
corpo livre
monte negro polido
qual plátano centenário
descoberto o sexo
na maciez da pele
boca a boca
o afago entre dois seios
descobertos
alisando os dedos
num desejo inconsciente
de aconchego
inaudita a voz ecoa ávida de luz
antes da grande maré
invisível
se morrer novo...
Se morrer novo
amortalhado à pressa
no meu velho casaco de flanela
sem tempo de dizer
todas as palavras de amor
nasça uma segunda vez
nos dias bonitos e curtos de inverno
encostado ao teu olhar
à lareira
se morrer novo
na luz fresca da tarde
sem tempo de ver nascer
um filho que carregue o meu coração
para o interior do futuro que não serei
que nasça uma segunda vez
e seja o sal
de todos os deslembrados
sem a fome da notícia
se morrer novo
antes de ver
o meu último livro de poemas
assente nas prateleiras
ou em folhas soltas nas ruas
nasça uma segunda vez
para ser um rio subterrâneo
secreto que guie a minha voz
dita em surdina ao teu ouvido ../..
se morrer novo
com o respirar húmido do vento
nas charnecas alagadas
da floresta
isolado do mundo que não conheço
que nasça uma segunda vez
para ser um vinho de reserva
das uvas fermentadas
nas terras altas agrestes
se morrer novo
na periferia do império
em busca dum planeta exterior
desconhecido
sem o aroma das frésias em flor
nasça uma segunda vez
no outro lado da terra
onde haja uma mulher primavera
a subir na maré
se morrer novo
à beira de não ser nada
neste ambiente
levantado de mudança
sem tempo de sonhar um transplante
que nasça uma segunda vez
numa jangada a tempo de sentir
a pulsação da artéria recriar
o futuro próximo
mas se eu não morrer novo
gostaria de morrer sem torpor
com um sorriso aberto nos lábios
de criança
no coração do sol
LIMIAR
É naturalmente ao crepúsculo, após as estridências do ocaso, quando todas as cores se diluem em roxo, depois em cinza, por fim no escuro da noite, que a sensibilidade mais nos acicata, mais nos encontramos íntimos com o nosso coração, mais "a flor da saudade", como diria Afonso Lopes Vieira, descerra em nós o perfume das suas emoções.
Primeiro acender de luzes, um crepitar febril de passarada nos ramos e um silêncio de paz na amargura da alma.
Sentir isto, transmitir isto, é missão sublime de poeta.
João Nabais deixou que a sua inspiração absorvesse o sortilégio dos crepúsculos e oferece-nos, assim, um livro singular e extremamente belo, docemente melancólico, para um convívio de "fim de tarde", pelas 18 horas, aguardando que a noite caia de "silêncio e sombras".
Como o tema escolhido, os versos surgem-nos de ritmos largos, pausados, às ondas, evocadores dos de Álvaro de Campos, mas um Álvaro de Campos mais lírico no descritivo da paisagem, ora marítima, ora citadina, e, até, num momento de muita alta poesia, revelando um interior de sugestão aldeã, povoado de lembranças do "ritual da harmonia da última vindima", das "conversas pequenas / e do odor da caruma na lareira".
As quatro estações do ano oferecem, pródigas, aos poemas de João Nabais, sempre de excepcional bom-gosto e suavidade musical, os seus próprios crepúsculos, intensos e luminosos, chuvosos quanta vez, de Janeiro, Fevereiro, Março, Maio, Setembro, que todos estes meses nos vêm assinalados, tiritantes e cobertos de oiro, azulando o mar, mas também nimbados de nostalgia, vivida em horas de café, frente à bebida adormecida e fria, numa espera de alguém, que chega ao desespero.
O olhar do poeta confunde-se como o bulício da cidade em hora de ponta. Mas, súbito, fixa, doído, o indigente, a criança perdida, vultos que as tintas tristes que precedem a noite mancham de revolta e de piedade.
O pensamento vem pesado de interrogações e dúvidas ("o amanhã não sei se existe", "a minha vida no limite é o exílio de mim", "um dia mais morreu, / Alguém deu por ele?"). Mas, também, desliza sereno, flui extático, no deslumbramento das luas que nascem, no sentir do "cheiro húmido da terra inundada", "no cantar livre das cigarras".
João Nabais traz-nos, com este livro, profundo na sua visão, deleitoso na sua linguagem, um espírito delicado e comovido, tão identificado com a leveza da sombra crepuscular, acariciadora do horizonte.
Com este livro, em que o poeta amplamente nos demonstra "o respirar seguro da (sua) escrita".
E, dele, fica tanto, ainda por dizer!
Que é tanto, ainda para amar!
Lisboa, 18 de Março de 1966
António Manuel Couto Viana