LABIRINTO
de Fernão Álvares do Oriente
Virgem de mil graças cheia Com senhor por graça unida Sois luz que o Céu formoseia Em vós tem certa guarida A vida que mais receia. |
De Deus filha mãe e esposa Desse mesmo Deus figura. Vossa presença amorosa Neste mundo a vida escura Faz alegre, e faz ditosa. |
Essa luz, que os Céus rodeia, Essa vista esclarecida A vida mortal recreia Vida em Deus por vós unida De todo o tormento alheia. |
Minha vida trabalhosa A minha alma em vós segura Por vós de mil glórias goza A dor muda em glória pura Formosura tão formosa. |
Descansa, alegra, recreia, A gosto eterno convida A vida de mágoas cheia Beleza em tudo cumprida Voz d'angélica sereia. |
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D'estrelas mil coroada Estais na celeste alteza Dos raios do Sol cercada A vossa mortal fraqueza Só de vós, Virgem sagrada. |
Nesse mar estrela, e guia Benigna, branda, lustrosa, Luz, que as trevas alumia Já s'inclina a vós chorosa Nossa passada alegria. |
Mostrai-nos a Alva rosada Coisa, que o Céu tanto preza Vossa graça alevantada Alevante à vossa alteza Est'alma a esses pés prostrada. |
Na noite, que esconde o dia De disforme faz lustrosa No nosso peito'alegria A vossa mão valorosa Belo amor, que em mim se cria. |
Nesta cumprida jornada Minh'alma vossa beleza Faz em graça sublimada Alma minha em fogo acesa Sublime à paz desejada. |
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Da divina mente ideia Fostes por graça escolhida: A Lua quando mais cheia, Sua luz vendo rendida A vossos pés se recreia. |
Ponde a vista piedosa Na terra vil baixa, escura. Mostra-se-nos graciosa ‘Alma, que perde a luz pura, Se se chega a vós chorosa. |
Da noite, que assim m'enleia A graça por nós perdida Mostrai-me com larga veia Confia, teme, duvida Est'alma, que a culpa enfreia. |
De perdida está medrosa A vida prezada, e dura Luz bela, luz deleitosa: A minh'alma em vós segura, Desta prisão tão penosa. |
A vida de si alheia Já nos tem tomado a vida Contra a culpa, que se ateia Da mortal prisão despida Livre'alma em vós s'encadeia. |
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À vossa luz inclinada A divina natureza Em si vos dá larga entrada Recorre à vossa beleza A vós se chega humilhada. |
Em minha fraca ousadia Não se mostra rigorosa A mão de Deus justa, e pia. A vós se torna queixosa ‘Alma, que o mundo injuria. |
Não se mostre agora irada Contra esta humana fraqueza Essa presença estimada Um'alma a que a culpa pesa Deve ser por vós guardada. |
Alegre minha porfia Faz d'austera mui gostosa: A noite converte em dia Vossa presença amorosa Salva, descansa, alumia. |
Essa graça em vós achada De servir a Deus a empresa Faz alegre, e descansada Todo o tormento despreza Vossa vista sublimada. |
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Já s'enxerga a luz febeia A vossa graça rendida De vós se veste e se arreia ‘Alma, que é sem vós perdida Quando o mor dano a salteia. |
Que sois d'entre espinhos rosa: A humana criatura Convosco foi generosa Santa, alegre, honesta, e pura A graça de Deus formosa. |
Quem Céu, terra, e o ar recreia Já nos tem restituída De qualquer pecado alheia Glória, paz, descanso, e vida Graça, que amor nos granjeia. |
Alcance-me hora ditosa Vossa imortal formosura A graça de Deus lustrosa Com vosso favor procura A glória, que'alma goza. |
D'eterna excelência cheia A graça, d'antes perdida A graça, que almas recreia A visão de Deus subida Deseja, espera, receia. |