Projecto Vercial

Francisco de Pina e Melo


A VIDA

Francisco de Pina e Melo nasceu na vila de Montemor-o-Velho a 7 de Agosto de 1695. Daí saiu apenas para frequentar a Universidade de Coimbra, por duas vezes, para curtas viagens ao estrangeiro e para breves visitas a Coimbra e a Lisboa para acompanhar a publicação das suas obras, visitar amigos ou recolher a bibliografia que avidamente devorava na pacatez dos serões de Montemor. Aí faleceu com 78 anos, em 22 de Outubro de 1773.

Era oriundo de uma família distinta o que se comprova pela leitura dos frontispícios das suas obras onde indica sempre a sua condição de Moço Fidalgo da Casa de Sua Majestade Fidelíssima. Ele próprio, numa nota inserta na sua obra Conquista de Goa, considera-se descendente do cronista Rui de Pina. Barbosa Machado, autor da Biblioteca Lusitana, afirma que ele é «o chefe da família dos Pinas de Aragão que veio para Portugal acompanhando a Rainha Santa Isabel.»

Da sua formação científica, sabemos que frequentou os cursos de Filosofia e de Cânones na Universidade de Coimbra em duas ocasiões diferentes, sem, no entanto, ter concluído nenhum deles. Foi todavia, ao longo da vida, um leitor incansável e um estudioso diligente. Adquiriu uma cultura notável em quase todos os ramos do saber.

Todos os críticos salientam a erudição de Pina e Melo. Os primeiros são os censores das suas obras: «Em fim depois, que por ordem desse rectíssimo tribunal tenho examinado vários escritos do Autor em muito diversas matérias, com este venho a concluir que Francisco de Pina e Melo é um homem enciclopédico» – afirma Fr. Bernardino de S. Rosa, reitor do Real Collégio de S. Thomás da Universidade de Coimbra. Inocêncio Francisco da Silva afirma no seu Dicionário Bibliográphico Portuguez: «Pode ser de justiça considerado como um dos homens mais notavelmente eruditos entre os portugueses da sua idade»; António Ferrão, ilustre membro da Academia das Ciências de Lisboa, escreveu no princípio deste século que a erudição é a principal característica da obra do autor de Montemor. Analisando só a Balança Intellectual (obra publicada em 1752 em que Pina e Melo faz um comentário ao Verdadeiro Método de Estudar apontando, carta a carta, defeitos e qualidades à obra de Verney), António Ferrão demonstra que o nosso autor domina a literatura e a filosofia da Antiguidade Clássica, conhece as obras renascentistas e as dos séculos XVII e XVIII, portuguesas e estrangeiras, em especial francesas, estuda a teologia, a história da igreja, a história política e literária. A quantidade de autores citados nessa obra para fundamentar as suas críticas e louvores ao Barbadinho é sur-prendente. Notáveis são também os seus conhecimentos sobre poética, retórica e línguas: cita com frequência em Latim, escreve em Castelhano, traduz, do Francês, a tragédia Édipo Rei de Sófocles. Desta língua, em carta a Ribeiro Sanches, afirma «eu entendo o que basta para a inteligência das cartas e dos livros».

Foi sócio da Academia dos Aplicados, da Academia dos Ocultos e da Academia Real de História.

Passou a maior parte da vida na sua vila natal, governando a sua casa, instruindo-se e compondo uma vasta e respeitada obra. Manteve uma regular relação epistolar com várias personalidades destacadas da época como os iluminados Verney e Ribeiro Sanches, os árcades Manuel de Figueiredo e José Xavier de Valadares e Sousa e até com o Marquês de Pombal, para citar apenas os mais conhecidos.

Devido a uma singularidade de poeta passou seis meses na Cadeia da Portagem entre Dezembro de 1762 e Junho de 1763. Cometera a ingenuidade de espalhar uma teoria que desagradava à corte e ao todo poderoso Marquês. Nem mesmo as relações pessoais e literárias com Sebastião José de Carvalho e Melo lhe valeram, pelo menos numa primeira fase. Disso se lamenta na Dedicatória do Epitalâmio que compôs, em 1765, às bodas de Henrique José Adão de Carvalho e Melo, filho do Marquês, e D. Maria Antónia de Meneses.

Os últimos anos da vida passou-os Pina e Melo entregue a tarefas de teorização poética e retórica. Compôs uma Arte Poética (1765) e reformulou e publicou o seu Theatro da Eloquência (1766) que já circulava manuscrito há alguns anos. Desempenhou nestes anos também a sua função de qualificador, como censor que era do Desembargo do Paço.

A OBRA

A obra de Pina e Melo é, como dissemos, vasta: pode dividir-se em poética, crítica, polemista e moralista, como aponta António Ferrão.

Quanto à obra poética, a generalidade dos críticos considera que não atinge um notável valor. Todavia, as suas composições atingem, por vezes, um elevado grau de mestria e, a poesia lírica, em particular, confere-lhe um lugar incortornável nas letras portuguesas.

Pina e Melo foi educado segundo os cânones do Barroco. O seu gosto foi evoluindo, sobretudo a partir da viagem que fez a França, em 1753-54, e acabou por aceitar muitos dos princípios do Neoclassicismo propugnados pela Arcádia Lusitana, entretanto surgida em 1756. Aguiar e Silva pretendeu ver na sua Arte Poética (1765) um exemplo de uma obra de teorização neoclássica. Todavia, consideramos que Pina e Melo nunca chega a libertar-se do seu substrato barroco, o que acaba por reverter a seu favor, como afirma Aníbal Pinto de Castro: «Sem ser um grande poeta, Pina e Melo tinha da poesia um conceito mais profundo e esteticamente mais rico do que o da grande maioria dos Árcades ou dos teorizadores e professores de Poética, seus contemporâneos. Por um lado, mais liberto da obsessão anti-barroca que lhes desvirtuara muitas vezes a clarividência crítica, fácil lhe foi conservar-se superior ao estreito reformismo de Garção e dos confrades, considerando-o prurido de literatos adolescentes.»

Jacinto do Prado Coelho encontra na poesia de Pina e Melo, sobretudo nas três primeiras partes das Rimas (1727) e na quinta parte (1755), tópicos como o sofrimento, a paisagem horrível, o amor pela solidão, o gosto do medonho e do fúnebre hoje considerados pré-românticos. Conclui que Pina e Melo, que considera o expoente do Barroco, é um representante de uma corrente lírica tradicional, marcada pela melancolia, que o Neoclassicismo não fará desaparecer. A par dos modelos franceses e anglo-germânicos, esse lirismo há-de dar origem ao Pré-romantismo em Portugal.

Entre as variadíssimas obras poéticas, a maioria de circunstância como epitalâmios, genetlíacos ou epicédios, destacamos as Rimas, 1727, (obra que contém sonetos, éclogas, romances, e é apontada como exemplificativa do gongorismo de Pina e Melo); A Bucólica , 1755, (contém 10 éclogas em estilo rústico que serão muito criticadas por António Dinis da Cruz e Silva, em duas dissertações pronunciadas na Arcádia em 1757); Ao terremoto do 1º de Novembro de 1755 (1756); o Triunfo da Religião 1756 (onde ataca o ateísmo, o politeísmo e defende a superioridade da religião católica sobre a hebraica, maometana, luterana e calvinista); A conquista de Goa 1759, poema épico.

Pina e Melo foi envolvido em várias polémicas e nunca se desobrigou de expor a sua opinião. Assim, participou no debate sobre o estado da cultura e do ensino levantado pelo Verdadeiro Método de Estudar, na questão da expulsão dos Jesuítas e nas lutas literárias geradas com o aparecimento da Arcádia Lusitana. Por várias vezes, foi obrigado a defender as suas obras de críticas viperinas como as de Xavier de Valadares e Sousa ao poema Conquista de Goa e as de José Jacinto Nunes de Melo ao poema Triunfo da Religião.

Em 1746, chegavam ao porto de Lisboa os volumes do Verdadeiro Método de Estudar. A obra provocou a ira dos padres da Companhia de Jesus, responsáveis pela quase totalidade dos estabelecimentos de ensino portugueses. Nos anos seguintes, sairam várias obras atacando o Barbadinho. Verney, sempre escondido em pseudónimos, ia-lhes dando resposta pronta e ia agravando o tom das acusações. As posições extremaram-se. Pina e Melo decidiu intervir tentando moderar as opiniões com a sua Balança Intelectual (1752). A sua intenção era apontar com imparcialidade os defeitos e as virtudes do Verdadeiro Método. Diz ele no prólogo: «Também se me insinuou, que se esperava de mim que eu pesasse bem o merecimento do Método: esta foi a razão por que dei a este papel o título de Balança Intelectual, e declaro, que no uso da mesma Balança digo o que ingenuamente entendo, dando os louvores e os reparos, aonde me parecem necessários. Se a medida não sair exacta, será defeito do fiel e não suborno da vontade.»

Assim, cada capítulo da Balança corresponde a uma carta do Verdadeito Método. Só no capítulo VII, que trata da poesia, Pina e Melo perde a imparcialidade que vinha manifestando. Verney, ao criticar os poetas gongóricos, tinha citado expressamente o seu nome e qualificado as suas poesias de «parvoíces». Era por isso necessária uma defesa pessoal. Mesmo assim, o poeta de Montemor não perde o tom sereno que vinha caracterizando os capítulos da Balança.

Esta obra desagradou, como é natural, a Verney mas também aos partidários dos Jesuítas, pois Pina e Melo, fiel aos seus propósitos iniciais, defendeu os padres da Companhia de alguns ataques mas corroborou outros, nomeadamente aqueles que os responsabilizavam pelo estado de letargia em que se encontrava a Universidade. No entanto, em 1755, apressa-se a defendê-los de uma crítica mais feroz feita por Diogo Barbosa Machado. Para esse efeito publica: Resposta compulsória à «Carta exhortatória», para que se retracte o seu auctor das calumnias que proferiu contra os rev.mos Padres da Companhia de Jesus da Província de Portugal.

Conhecemos também alguma correspondência pessoal entre Verney e Pina e Melo. O poeta de Montemor sabia ser ele o autor do Verdadeiro Método mas Verney ia negando sempre. Pina e Melo perde a paciência e envia-lhe uma carta aberta, em Julho de 1754, que ao mesmo tempo publica (Carta ao Sr. L.A.V.), onde demonstra ser ele o autor do Verdadeiro Método. Devemos pois ao nosso autor, embora não exclusivamente, o conhecimento da verdadeira identidade do Barbadinho da congregação de Itália.

Com o aparecimento da Arcádia Lusitana, em 1756, temos Pina e Melo envolvido em nova polémica, desta vez literária. Para impor o gosto Neoclássico era necessário derrotar o Barroco e para o vencer era preciso atacar o principal poeta conotado com essa corrente literária: Francisco de Pina e Melo.

Correia Garção na sua Epístola I, a Olino, escreve:

«Não busques pensamentos esquisitos,
Em denegridas nuvens embrulhados;
Não tragas, não, metáforas violentas
Imitando esse Corvo do Mondego
Que entre os Cisnes do Tejo anda grasnando; [...]

O Corvo do Mondego era Pina e Melo e Garção e os árcades eram com toda a prosápia os Cisnes do Tejo. Por outros testemunhos, sabemos que era por essa alcunha que o montemorense era tratado nas reuniões da Arcádia.

Cruz e Silva censura-lhe a Bucólica ou Ética Pastoril. Nesta obra composta por dez éclogas (poemas em que se trava um diálogo entre pastores), Pina e Melo, na esteira de Rodrigues Lobo e de D. Francisco Manuel de Melo, tinha usado o estilo rústico, isto é, tinha posto na boca de pastores palavras próprias de pastores. Para isso, tinha até estudado a linguagem da Beira Alta.

Cruz e Silva não lhe perdoa essa ousadia. Numa dissertação sobre o estilo das éclogas, dividida em duas partes pronunciadas na Arcádia Lusitana em 1757, aponta vários passos, retirados da obra de Pina e Melo, que considera exemplos acabados de mau gosto. Também ele pensava que os pastores tinham de falar e pensar como pastores, mas não perdoava ao poeta de Montemor ter descido tão baixo no estilo, usando termos considerados impróprios para a poesia.

Pina e Melo vai-se defendendo dos ataques. Em carta ao Doutor João Gomes Ferreira que foi juíz em Montemor e era amigo do poeta, queixa-se dos árcades. O mesmo faz noutra dirigida a Manuel de Figueiredo, membro da Arcádia, mas que apesar disso lhe pedia conselhos sobre assuntos de poesia. Conhecemos também um soneto em que se lamenta desses maus tratos de que era vítima.

Ironicamente, a Bucólica é hoje considerada, por alguns críticos, a obra mais original do nosso autor.

Outra das facetas da obra de Pina e Melo é a moralista. Como homem muito culto e muito cristão que era, defendia que todas as atitudes da vida se deviam regrar pela moral católica. Por isso canta a virtude, o bem, o amor sincero e honesto, a caridade, o amor ao trabalho.

No dia de todos os santos de 1755, dá-se o terramoto que abalou Lisboa. A esta tragédia reagem os poetas da época com dolorosas manifestações de pesar. Ainda nesse ano, Pina e Melo publica um poema em verso decassilábico Ao terremoto do 1º de Novembro. Profere igualmente um discurso na Capela do Hospital Real de Montemor-o-Velho, no encerramento de um Oitavário de Oração organizado pela Confraria da Senhora da Conceição. Nesse discurso, publicado no ano seguinte, afirma que vai revelar a causa do terremoto, «pois às vezes Deus mostra coisas aos néscios e esconde-as aos sábios». A causa foi a vontade de Deus e para os montemorenses tratou-se de um aviso para se afastarem das iniquidades que grassavam pela capital.

A fama de que Francisco de Pina e Melo gozou em vida foi tão grande como o esquecimento a que depois foi votado. Para atestar a dimensão da fama, nada melhor do que recordar as palavras dos seus adversários: Pina e Melo «a quem se não pode negar uma excelente fantasia ou agudo engenho é considerado por quase todo o Portugal o oráculo da poesia» – afirma Cruz e Silva na Dissertação sobre o estilo da écloga: «É tão respeitado o nome do Autor destas poéticas produções, que basta somente ser ouvido, para que se lhe tribute a maior veneração» – escreve o incansável bibliógrafo Barbosa Machado, no parecer sobre a Arte Poética que assina como censor do Desembargo do Paço. Para referir o esquecimento, não são necessárias palavras.

(Nótula de António Manuel Esteves Joaquim)



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