Ruy Ventura nasceu em Portalegre a 27 de Dezembro de 1973, tendo vivido até aos 21 anos em Carreiras, aldeia da Serra de São Mamede. É mestre em Estudos Portugueses (Literatura Portuguesa Contemporânea) pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa. Ex-docente da Escola Superior de Educação de Portalegre, onde leccionou Literatura Portuguesa, Metodologia do Ensino do Português e Literatura Tradicional, é actualmente professor em Sesimbra.
Tem, até ao momento, três livros de poesia publicados: Arquitectura do Silêncio (Difel, 2000), com prefácio de José do Carmo Francisco, galardoado com o Prémio Revelação – Poesia, da Associação Portuguesa de Escritores e do Instituto do Livro e das Bibliotecas, com um júri constituído por Fiama Hasse Pais Brandão, Fernando Pinto do Amaral e Urbano Tavares Rodrigues; sete capítulos do mundo (Black Sun Editores, 2003); e Assim se deixa uma casa (Alma Azul, 2003), em edição bilingue (português e castelhano), com tradução e prefácio de Antonio Sáez Delgado. Colaborou – com Joaquim Cardoso Dias, Pedro Sena-Lino e José Mário Silva – na obra colectiva Malcata 7 Geografias (Alma Azul, 2003) com a sequência poética intitulada o lugar a palavra.
Organizou ainda a antologia Poetas e Escritores da Serra de S. Mamede (Castelo de Vide, Marvão e Portalegre), dado a lume em 2002 pelas edições Amores Perfeitos.
Poemas seus estão traduzidos para castelhano e francês, prevendo-se para breve a tradução para italiano e húngaro.
Como investigador, tem publicadas várias separatas e artigos, nomeadamente sobre o romanceiro, o cancioneiro e a narrativa tradicionais, sobre a poesia oral autorada, sobre temas literários e várias figuras da cultura portuguesa (Branquinho da Fonseca, José Duro, etc.) e ainda sobre a toponímia.
Tem colaboração poética, ensaística e de outra índole dispersa por diversas publicações periódicas.
Nas revistas:
Espacio / Espaço Escrito (Badajoz, Espanha), Dimensão (Uberaba, Brasil), Diversos (Bruxelas, Bélgica), Baluerna (Cáceres, Espanha), A Xanela (Betanzos, Espanha), Sol XXI (Lisboa), A Cidade (Portalegre), Ibn Maruán (Marvão), Callipole (Vila Viçosa), Célula Cinzenta (Lisboa), Alma Azul (Coimbra), Saudade (Amarante), etc..
Nos jornais:
JL (Lisboa), Artes e Artes (Lisboa), Jornal de Notícias (Porto), O Mirante (Santarém), Diário do Sul (Évora), Correio Beirão (Moimenta da Beira), O Distrito de Portalegre (Portalegre), O Pregão (Castelo de Vide), Correio do Alentejo (Elvas), Notícias de Elvas (Elvas), Serpa Informação (Serpa), 24 Horas (Lisboa), Sporting (Lisboa), Notícias da Amadora (Amadora), O Zurara (Mangualde), etc..
Nos suplementos culturais:
Opção Cultural (in Jornal Opção, Goiânia – Brasil), Suplemento Açoriano de Cultura (in Correio dos Açores, Ponta Delgada), Alma Nova (in O Mirante, Santarém), Quarto Crescente (in A União, Angra do Heroísmo), Vento Norte (in Diário Insular, Angra do Heroísmo), Miradouro (in Notícias de Elvas, Elvas), Suplemento Cultural (in Serpa Informação, Serpa), Nave (in Correio Beirão, Moimenta da Beira), Fanal (in O Distrito de Portalegre, Portalegre), etc..
Colaborou ainda nos volumes de actualização do Dicionário de Literatura (org. Jacinto do Prado Coelho), coordenados por Ernesto José Rodrigues. Prefaciou ou posfaciou livros de Gérard Calandre, Orlando Neves, Nicolau Saião, José do Carmo Francisco, etc..
Tradutor de poesia, é autor da versão portuguesa da antologia 20 Poetas Espanhóis do Século XX, organizada por Antonio Sáez Delgado, e de um livro de poemas deste autor castelhano (Dias, Fumo), recentemente publicado pela Alma Azul, de Coimbra. Trabalha neste momento na tradução de A Árvore-das-Borboletas, do poeta belga de língua flamenga Anton van Wilderode.
Para além disto, tem realizado diversas palestras sobre literatura, poesia portuguesa contemporânea, poesia oral com autor, tradução, etc. em diversas localidades portuguesas e espanholas. Tem participado também em vários encontros internacionais de poetas, no país e no estrangeiro.
Coordenou, entre Março de 2000 e Junho de 2003, com Nicolau Saião e João Garção, o suplemento cultural Fanal, inserto no jornal O Distrito de Portalegre.
Escreveram sobre a poesia de Ruy Ventura vários escritores e críticos: Jorge Listopad, José Mário Silva, Carlos Garcia de Castro, Nicolau Saião, Andreia Brites, Manuel G. Simões, José Vieira, Rui Lage, José do Carmo Francisco, João Garção, Luís Filipe Maçarico, Joaquim Montezuma de Carvalho, J. O. Travanca-Rêgo, Pedro Sena-Lino, Levi Condinho, etc..
AFIRMAÇÕES CRÍTICAS
“(...) poesia reservada, contida, sabida (...). Quanto mais se lê, mais se encurta a distância entre o verso e o leitor (...).”
JORGE LISTOPAD
“O memorialismo que (...) assoma à superfície do texto, indica como na construção está implícita uma reconstrução, ou seja, que a invenção é um lembrar de novo, um reflectir e um reflectir-se na memória; que sob o véu problemático da invenção subjectiva se oculta sempre uma história real e objectiva (...) em relação à qual ‘as perguntas subsistem’: os rastos e restos de antigas imagens.”
MANUEL G. SIMÕES
“(...) uma escrita simultaneamente original e representativa da ‘novíssima poesia’ portuguesa, através da qual RV revela uma profunda aculturação poética, onde o entendimento das vozes modernas (...) é clara e lucidamente recebido – sem prejuízo da matriz original do próprio autor. (...) uma voz (...) que integra e renova a poesia contemporânea portuguesa.”
J. O. TRAVANCA-RÊGO
“O poema surge, para RV, como uma teimosia, uma recusa da ordem, uma revolta perante o inevitável. O poeta constrói a sua escrita numa carpintaria certeira, solene, exacta. O discurso é sempre contido, o verso não se expande, a ideia não se amplia em desmesura. (...) uma voz própria, de contornos definidos e modulações felizes.”
JOSÉ DO CARMO FRANCISCO
“Somos (...) envolvidos pelo ambiente tutelar duma contemplação mnésica de Figuras, Lugares e Coisas que em seu recolhimento participado nos confrontam, orientados mas íntimos, com a poética substancial – silente – do real e do existencial.”
CARLOS GARCIA DE CASTRO
“A poética de RV é uma poética de errâncias ou de desdobramentos contínuos (...). (...) Além da errância concentrada, a poética de RV parece-me também uma poética que deseja os limites, o para lá dos limites.”
JOSÉ VIEIRA
“(...) en los poemas de RV (a mi parecer, una de las voces más interesantes de la última poesía portuguesa) asoma, en medio de un universo simbólico plenamente propio, un pulso poético que se alimenta de la cultura y de la vida en un afán por comprender el mundo, por aspirar a explicarnos ese enorme silencio que nos rodea.”
ANTONIO SÁEZ DELGADO
“(...) uma voz pessoal com uma boa dose de transfiguração lírica.”
LÍDIA JORGE
“Há (...) qualquer coisa de ascético nesta poesia: a tendência para o sujeito se tornar num recolector de imagens (ou de epifanias) que lhe indiquem um possível itinerário rumo ao auto-conhecimento (...)”.
RUI LAGE
“Ruy Ventura (...) dá o difícil: unir o imponderável abstracto da sensibilidade ultra a um mundo muito daqui em concretitude palpável de casas, cidades, automóveis.”
JOAQUIM MONTEZUMA DE CARVALHO
ALGUNS POEMAS
entre a porta e a mão que bate à porta
vai a distância da carne à madeira
a distância do corpo que toca esse pedaço de árvore
à existência da própria árvore
toca a mão na madeira (direi porta?)
como se tocasse toda a substância da casa
o seu vento as suas vozes os seus cheiros
os seus objectos a totalidade do espaço que se adivinha para além das janelas e das paredes
bate na tarde à porta a mão
na tarde ou talvez pela manhã
acompanhando a solidão que transforma o tempo
à porta a mão identifica todo o corpo que no exterior toca bate acorda
tarde à porta bate a voz da montanha
não apenas pássaro ou árvore pedra ou riacho
mas toda a pedra repetida no interior da sombra e do som dos pássaros na escada
toda a terra concentrada na mão que bate à porta
acariciando o retrato da inquietação e do inverno
entre a porta e o interior da casa
dos livros
reúne cor e ramagem frio e alimento
viagens como naufrágios ou inscrições
registadas na habitação
da tristeza
(para o clóvis artur)
(in Arquitectura do Silêncio, Difel, 2000)
1.
escrevo-te cartas que nunca irás receber.
a morada desaparece
sempre que tentamos encontrar
não uma porta, mas uma casa inteira.
desligo tudo dentro deste quarto.
ouço, incompleto, - com a janela
entreaberta ao fresco da noite –
cada pequeno ruído,
como se fosse um código para nos entendermos.
2.
carregas contigo o peso da noite que não termina.
que maior peso poderias suportar?
o silêncio retalha-nos,
sempre que tentamos suturar as feridas.
como a água do mar?
repuxa-nos a pele,
para que possamos sará-la.
3.
todas as cartas te pertencem.
sobre a mesa,
sem selo nem endereço.
chegarão, com certeza.
não ao destino.
mas à residência da primeira palavra.
4.
reservo esta frase
para esse ponto no horizonte onde fixas os olhos.
escondo(-me).
as árvores do jardim
fazem o mesmo à cidade.
não consigo esquecer
a estrada em frente.
5.
como os plátanos, escondo uma viagem.
por terminar.
o automóvel avança.
o ponto de fuga não prolonga o horizonte.
apenas suspende essa imagem –
por revelar.
6.
nenhuma melodia
é possível perante a noite.
embora tente criá-la em todos os momentos.
procuro reconstituir, na água,
essa pauta desaparecida no início.
7.
encontras
no corpo
o trajecto possível
para decompores a noite.
movimento e repouso
sucedem-se.
a respiração
tenta dissolver a viagem.
a primeira etapa não terminou
ainda.
(...)
(in sete capítulos do mundo, Black Sun Editores, 2003)
[Lódz]
o sangue dissolve a cor. o encantamento.
descreve esses olhos sem fogo. a saliva
correndo por entre os lábios.
o vidro estilhaça o cabelo. arde nesta ferida.
afoga essa alma. sob o ventre. por entre as ervas.
duas aves submergem a floresta.
esvoaçam junto do poço, tentando revelar
a corda e o desespero.
a fotografia permanece. noutro continente.
estilhaça o ventre. os lábios. essa memória.
rasga para sempre
o sono mais profundo.
as asas mudam de cor.
(a criança tenta conter a respiração.)
a terra rejeita essa seiva.
devolve sem vento a água e a garganta.
a fronteira esboroa o coração.
a cor dissolve o sangue. o óvulo
apodrece entre dois carvalhos.
a raiz agarra esse espelho.
a morte encaminha esses lábios
para o grande lago.
ao longe, a criança observa a ferida.
o braço percorre essa língua. a mão descobre
na boca a madeira.
(que cinza restará deste silêncio?
o arco quebrando a angústia?
a torre vigiando a nossa sede?)
a água condensa entre as linhas
a seiva e o desespero.
sem erva, o pórtico conserva
algumas palavras. noutra língua.
os limos desenham no tanque
esse segredo.
a viagem continua.
continua enquanto os fantasmas
revestem de morte
o crepúsculo e a madrugada.
(in Corpo entre Lugares, inédito)
[Davos]
iluminei os teus passos. o cemitério,
longe da cidade, entre rochedos,
lágrimas - e uma pequena alegria.
uma ferida no olhar. tão longa
quanto a neve modelando o caminho
que percorremos. a respiração
acolhe-nos. o navio, ao longe,
dissolve o ouro e a madeira apodrecida.
nada vislumbramos nas duas esferas.
o pó e o frio guardam esta monotonia eterna.
à superfície, esse verde dos prados
dissolve o sangue. abandona os pulmões,
a voz, a garganta. ligeiramente trémula.
a varanda - e este sopro na circulação.
falar em luto iria embelezar as coisas,
dizes olhando de longe o teu irmão.
o mundo recolhe esta tristeza. dentro do gelo.
um insecto minúsculo que o tempo resguardou
como vestígio da última morte na floresta.
a chuva incendeia o baile. essa dança
ardendo no interior da casa. uma palavra:
o movimento. a circulação do sangue
espargindo a montanha.
(idem)
[Serra de São Paulo]
escreve, sempre de novo, o vento entre os pinheiros.
uma chuvada,
antes da divisão da terra.
no sótão, a mão direita (os dedos
demasiado longos).
fragmentos de um texto
circundam a abóbada,
o comboio, o coração.
plantaram carvalhos na encosta, dentro da viagem,
na fresta virada a poente.
a legenda continua incompleta.
sob as letras nascem letras ainda mais antigas.
desapareceram as paredes.
a cal onde o texto surgiria.
vizinhos na infância,
resguardaram teu sangue
nos limites do campo.
o sopro que escreveste nas ruínas.
o odor que sempre nos
iluminou.
(idem)
a tempestade. a ruína. renascimento
resta no meu olhar um traço negro.
a estrada divide a tempestade,
a intensidade da fala na mata que circunda
o coração. queimo esta carne
entre as árvores. nesta madrugada
com fogo assomando por entre os olhos.
a inscrição guarda na memória o sangue
coagulado. o vidro rebenta nesses olhos
a semente da angústia. dissipa nos ossos
o tesouro que alumiava a sombra e o relâmpago.
que voz nasceu tão perto dessa morte?
perguntei. – entre duas lágrimas, desaparecem
a flor e o segredo. aquela nuvem
sem água, avança e amortalha essa luz
sem nome no horizonte.
amo esta face ressequida.
sei que, por detrás da constelação, aquela barca
transporta o vulto de um fantasma. nem Tiago
nem Vicente ali viajam. nem Pedro nem André
da pescaria transportam sem temor o verbo intenso.
apenas morte. entre o corpo e os carvalhos.
e o mar (mar de lume) afogando nas artérias
a manhã.
o silêncio quebrou os rebentos que nasciam no coração.
a voz precisava de sal para trazer sobre o túmulo
o canto da floresta. a sede chora aquele ventre
rasgado na infância. e a noite pronuncia:
dialoga a minha mão na tua mão
no interior da tempestade e da ruína.
a claridade nasce entre as cinzas
que recortam do inverno o sol e a alma.
nada posso vislumbrar desse futuro
nem desse livro perdido em duas casas.
a terra recebe o adubo que o vento dispersou.
(nascerá de novo a voz que escrevemos
no ponto mais alto da montanha?)
a respiração corta o horizonte.
o verde traz consigo a voz de um sino
repicando de novo entre os dedos.
que olhar nos transfigura?
sob a ferida o sangue vai soprando.
nesta manhã deseja circular.
(in a pedra, o ouro, a madeira – livro inédito)
(Reprodução dos poemas autorizada pelo autor.)