Projecto Vercial

Virgínia Victorino


Virgínia Villa Nova de Sousa Victorino (1898-1967). Poetisa e dramaturga portuguesa do século XX. Esteve no Brasil, a convite de Getúlio Vargas, em 1937. A sua obra mais famosa é Namorados (1918), que teve catorze edições. Outras obras: A Volta (peça teatral em três actos representada, pela primeira vez, no Teatro Nacional de Lisboa, a 13 de maio de 1931).




NAMORADOS

ALGUNS SONETOS

DESPEITO

Digo o que noutro tempo não diria:
Foi tudo um grande sonho enganador...
Nego o passado, e juro que este amor
Só existiu na tua fantasia...

Sinto a volúpia da mentira! A dor
Não transparece. Nego... Que alegria!
Fiz crer ao mundo inteiro, por magia,
Que és de todos os homens o pior...

Nunca me entonteceu esse sorriso...
E, vê lá tu, se tanto for preciso,
Nego também as cartas que escrevi!

Quero humilhar-te, enfim... Mas não entendo
Porque me exalto e choro e te defendo,
Se alguém, a não ser eu, diz mal de ti...


ORGULHO

És orgulhoso e altivo, também eu...
Nem sei bem qual de nós o será mais...
As nossas duas forças são rivais:
Se é grande o teu poder, maior é o meu...

Tão alto anda esse orgulho!... Toca o céu.
Nem eu quebro, nem tu. Somos iguais.
Cremo-nos inimigos... Como tais,
Nenhum de nós ainda se rendeu...

Ontem, quando nos vimos, frente a frente,
Fingiste bem esse ar indiferente,
E eu, desdenhosa, ri sem descorar...

Mas, que lágrimas devo àquele riso,
E quanto, quanto esforço foi preciso,
Para, na tua frente, não chorar...


TRISTEZA

Nos dias de tristeza, quando alguém
Nos pergunta, baixinho, o que é que temos,
Às vezes, nem sequer nós respondemos:
Faz-nos mal a pergunta, em vez de bem.

Nos dias dolorosos e supremos,
Sabe-se lá donde a tristeza vem?!...
Calamo-nos. Pedimos que ninguém
Pergunte pelo mal de que sofremos...

Mas, quem é livre de contradições?!
Quem pode ler em nossos corações?!...
Ó mistério, que em toda parte existes...

Pois, haverá desgosto mais profundo
Do que este de não se ter alguém no mundo
Que nos pergunte por que estamos tristes?!


RENÚNCIA

Fui nova, mas fui triste... Só eu sei
Como passou por mim a mocidade...
Cantar era o dever da minha idade,
Devia ter cantado e não cantei...

Fui bela... Fui amada e desprezei...
Não quis beber o filtro da ansiedade.
Amar era o destino, a claridade...
Devia ter amado e não amei...

Ai de mim!... Nem saudades, nem desejos...
Nem cinzas mortas... Nem calor de beijos...
Eu nada soube, eu nada quis prender...

E o que me resta?! Uma amargura infinda...
Ver que é, para morrer, tão cedo ainda...
E que é tão tarde já, para viver!...


(Poemas cedidos pela família da autora)

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