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Diogo Bernardes


Diogo Bernardes (1520-1605) nasceu em Ponte da Barca, Alto Minho, e estudou em Braga. Foi moço de câmara do rei D. Sebastião e acompanhou-o a Alcácer Quibir (1578), tendo ficado prisioneiro dos Mouros depois da batalha. Relacionou-se com António Ferreira, Sá de Miranda e Pêro Andrade Caminha, tendo partilhado com eles as concepções clássicas, como a fidelidade aos modelos greco-latinos e renascentistas espanhóis e italianos.

Obras: Rimas ao Bom Jesus e à Virgem Gloriosa sua Mãe (1595); O Lima (1596); Flores do Lima (1597).

Outras páginas sobre o autor:

  • O Lima e o Bucolismo de Diogo Bernardes



    ALGUNS POEMAS


    As plantas rindo estão, estão vestidas
    De verde variado de mil cores;
    Cantam tarde e manhã os seus amores
    As aves, que d'Amor andam vencidas.

    As neves, já nos montes derretidas,
    Regam nos baixos vales novas flores;
    Alegram as cantigas dos pastores
    As Ninfas pelos bosques escondidas.

    O tempo, que nas cousas pode tanto,
    A graça, que por ele a terra perde,
    Lhe torna com mais graça e fermosura.

    Só pera mim nem flor nem erva verde,
    Nem água clara tem, nem doce canto,
    Que tudo falta a quem falta ventura.




    Onde porei meus oihos que não veja
    A causa, donde nasce meu tormento?
    A que parte irei co pensamento
    Que pera descansar parte me seja?

    já sei como s'engana quem deseja,
    Em vão amor firme contentamento,
    De que, nos gostos seus, que são de vento,
    Sempre falta seu bem, seu mal sobeja.

    Mas inda, sobre claro desengano,
    Assim me traz est'alma sogigada,
    Que dele está pendendo o meu desejo;

    E vou de dia em dia, de ano em ano,
    Após um não sei quê, após um nada,
    Que, quanto mais me chego, menos vejo.




    Meu pátrio Lima, saudoso e brando,
    Como não sentirá quem Amor sente,
    Que partes deste vale descontente,
    Donde também me parte suspirando?

    Se tu, que livre vás, vás murmurando,
    Que farei eu, cativo, estando ausente?
    Onde descansarei de dor presente,
    Que tu descansarás no mar entrando?

    Se te não queres consolar comigo,
    Ou pede ao Céu que nossa dor nos cure,
    Ou que trespasse em mim tua tristeza:

    Eu só por ambos chore, eu só murmure,
    Que d'um fado cruel o curso sigo,
    Não tu, que segues tua natureza.




    Águas do claro Lima, que corria
    Pera mim, noutro tempo, claro e puro,
    Que correr vejo agora turvo, escuro,
    Quem afogou em vós minh'alegria?

    Cuidei que com vos ver descansaria
    Do mal do cativeiro, triste e duro;
    Mas mais sem gosto aqui, menos seguro
    Me vejo, do que me vi em Berberia.

    Mudança vejo aqui em arvoredos:
    Creceram muitos, muitos acabaram,
    Fez seu ofício em tudo a natureza;

    Duas cousas, porém, não se mudaram:
    Lugar e duro ser destes penedos,
    De vossos naturais teima a dureza.




    ALHEIO

    Que vistes meus olhos
    Neste bem, que vistes
    Que vos vejo tristes?

    VOLTAS

    As vossas lembranças
    Não vos dão tormentos,
    Nem levam os ventos
    Vossas esperanças.
    Não sei que mudanças
    Vós de novo vistes,
    Que vos vejo tristes.
    Que dor ou que medos
    Causam vossa dor?
    Lágrimas d'amor
    Descobrem segredos.
    Eu vos via ledos;
    Vós não sei que vistes,
    Que vos vejo tristes.





    Escapei de cem mil Mouros,
    e nesta serra Somata
    Üa só Moura me mata.

    VOLTAS

    Vede quem dará certeza
    A sucessos da ventura!
    Pois faz em mim a brandura
    O que não fez a crueza:
    É tal sua gentileza
    Que, nesta serra Somata,
    Ela é a que só mata.

    Quem haverá que não moura
    Por esta Moura que mouro,
    Se nos seus cabelos d'ouro
    O Sol se prende e se doura?
    É rosada, alva, e loura.
    Não sei se lhe chame ingrata,
    Pois um seu cativo mata.

    Certo que, se livre fora
    Do cativeiro em que vivo,
    A me querer por cativo,
    Não quisera outra senhora.
    Com me matar me namora,
    E quando melhor me trata,
    Então de todo me mata.

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