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Impressões da cidade em palavras-pinceladas de uma poesia-pintura de Cesário Verde

RESUMO: Este estudo aborda algumas relações entre a poesia e a pintura do final do século XIX, especialmente entre o Impressionismo na pintura e o correlato uso da técnica impressionista na poesia. A leitura foi feita a partir do poema "O Sentimento dum Ocidental", do poeta português José Joaquim Cesário Verde (1855-1886), publicado num jornal do Porto, em 1880.

ABSTRACT: In this article, the author makes a brief relation between poetry and painting in the end of the XIXth century, specially Art Impressionist and the use of this way of seeing reality in the poetry. This point of view is based on the poem "O Sentimento dum Ocidental", by the portuguese poet José Joaquim Cesário Verde (1855-1886), published, in 1880, in a periodic from Porto, Portugal.

Introdução

Nosso trabalho tem por objetivo mostrar as relações entre a poesia e a pintura do final do século XIX, especialmente entre o Impressionismo na pintura e o correlato uso da técnica impressionista na poesia, que oscila entre o Realismo, o Naturalismo, o Decadentismo e o Simbolismo. Para isso, com a finalidade de delimitar o tema, escolhemos alguns aspectos básicos da pintura impressionista do século XIX e um representante da poesia impressionista portuguesa.

Na pintura impressionista, escolhemos Edouard Manet (1832-1883), através da litogravura "As corridas em Longchamp" (Gombrich 1979: 411); Claude Monet (1840-1926), com "A Estação de St.-Lazare em Paris" (Gombrich 1979: 413); e Camile Pissarro (1830-1903), com "O Boulevard de Italiens, manhã de sol" (Gombrich 1979: 415). Os três pintores, ao escolherem três temas, nos mostram uma técnica pictórica que nos auxilia na procura de uma estrutura comum entre pintura e poesia impressionistas.

Da mesma forma que as obras pictóricas escolhidas mostram paisagens urbanas em diferentes momentos do dia, o poema escolhido apresenta, através de outro meio, as palavras e suas respectivas simbolizações, os vários ângulos de uma cidade em transformação em diferentes momentos do fim da tarde.

Na poesia portuguesa, inicialmente procuramos observar o impressionismo na linguagem poética de Joaquim José CESÁRIO VERDE (1855-1886). A escolha desse poeta está vinculada ao nosso centro de interesse para a elaboração de disssertação de mestrado, cujo estudo tem sido observar a realidade multifacetada e a plasticidade na sua linguagem poética.

2. A posição de Cesário Verde na literatura portuguesa

José Joaquim Cesário Verde nasceu em Lisboa a 25 de fevereiro de 1855. Filho de um lavrador e comerciante, foi obrigado a dedicar-se às atividades práticas, que desde cedo colidiam com seu temperamento voltado para as letras. A muito custo, a vocação literária impõe-se e ele ingressa no Curso Superior de Letras (1873). No curto período em que assistiu às aulas, fez amizade com Silva Pinto e começou a publicar poemas no Diário de Notícias e, tempos depois, em outros periódicos. Em 1881, conviveu com os artistas do Grupo do Leão. Faleceu, vítima de tuberculose, em 19 de julho de 1886.

A sua obra literária, aliada à sua biografia, e aquilo que conhecemos de suas correspondências, mostra um embate entre as coisas práticas e as atividades literárias.

Em vida, Cesário Verde publicou poemas em jornais portugueses. Tinha projeto de publicar um livro, mas não o fez. Um ano após a sua morte, graças aos esforços do seu amigo António da Silva Pinto, sai publicado O livro de Cesário Verde.

Cesário Verde iniciou-se literariamente sob influência do Parnasianismo, mas evoluiu rapidamente para um realismo de caráter dialético, onde registra imagens do cotidiano citadino, contraposto ao do campo (Abdala & Paschoalin 1985: 114). Marca o instante transitório entre o Romantismo, com suas multiformes expressões, e o Realismo, com seus paradoxos, recuos e incertezas. (Moisés 1984: 180). "Inverte, pela primeira vez na história dos ciclos poéticos portugueses, a relação poeta X mundo. Poeta "realista", seu realismo só é fotográfico na aparência, porque, ao invés de exterior, tendo seu objeto fora da consciência e da sensibilidade do poeta, é profunda e exclusivamente interior, por identificar-se com a consciência e a sensibilidade. O objetivo e o subjetivo fundem-se numa só entidade." (Moisés 1984: 181).

Sua posição na literatura portuguesa é a de precursor. Registra as tensões sociais do processo de urbanização em Portugal (Serrão 1957: 13-85). Sua escrita poética é o ponto de partida de várias tendências de vanguarda e do modernismo de seu país, como o tratamento estilístico do decadentismo-simbolismo ou o sensacionismo de Fernando Pessoa. A consciência artesanal do poema, visto como objeto estético construído a partir de uma multiplicidade de perspectivas, aproxima-o igualmente da modernidade dos movimentos de vanguarda e da literatura contemporânea. (Abdala & Paschoalin 1985: 114).

É visto também como precursor pelo poeta Fernando Pessoa, que o inclui num panorama da moderna Literatura Portuguesa: "Da transformação literária, representada por um rompimento definitivo com as tradições literárias portuguesas, pode-se considerar ponto de partida Antero de Quental e a Escola de Coimbra, embora necessariamente precedida de prenúncios e tentativas de tal modificação remontando até 1770, ao esquecido José Anastácio da Cunha (poeta superior ao exageradamente apreciado e insuportável Bocage)" (Pessoa 1974: 419). Entre outros, destaca "Cesário Verde, que foi o primeiro a ver na poesia portuguesa, a visão mais clara das coisas e da sua autêntica presença que é possível encontrar na literatura moderna." (Pessoa 1974: 420).

Numa análise do aspecto psicológico da poesia portuguesa, Fernando Pessoa aponta, entre vários poetas, o nome de Cesário Verde: "O segundo característico da objetividade poética é aquilo a que podemos chamar a plasticidade; e entendemos por plasticidade a fixação expressiva do visto ou ouvido como exterior, não como sensação, mas como visão ou audição. Plástica neste sentido, foi toda a poesia grega e romana, plástica a poesia dos parnasianos, plástica (além de epigramática e mais) a de Victor Hugo, plástica, de novo modo, a de Cesário Verde. A perfeição da poesia plástica consiste em dar a impressão exata e nítida (sem ser exatamente epigramática) do exterior como exterior, o que não impede de, ao mesmo tempo, o dar como interior, como emocionado" (Pessoa 1974: 384-385).

Com base numa análise do Livro do Desassossego, de Bernardo Soares/Fernando Pessoa, Ernesto Manuel de Melo Castro procura definir "um outro projeto (poético), de Cesário Verde a Ramos Rosa e à Poesia-61, a que o Livro do Desassossego vem dar uma coerência textual que até agora parecia faltar" (entre outras, fragmento prosaico, tom lírico e cotidiano, pequenas ações, etc.) (Castro 1984: 54-55).

Tematizou com grande força poética o operariado lisboeta, com uma produção que o singulariza no conjunto da Literatura Portuguesa. É precursor, dentro de uma óptica pequeno-burguesa, das preocupações do movimento neo-realista que viria a se firmar depois da Segunda Guerra Mundial (Abdala & Paschoalin 1985: 114).

A população da cidade é fixada em processo, como acontece com a pintura impressionista. Os seus procedimentos estilísticos apresentam semelhança com o decadentismo-simbolismo francês, especialmente os do poeta Charles Baudelaire (Abdala & Paschoalin 1985: 115), diferenciando-se, contudo, pelas dimensões históricas (Saraiva & Lopes 1989: 991). Expressa o "conflito entre a simpatia pelo povo urbano ou rural explorado e o ditame naturalista de impassibilidade descritiva, reforçado pela idéia darwinista de que os fracos (inaptos ou decadentes) estão condenados a perecer" (Saraiva & Lopes 1989: 990).

A metáfora básica dos seus poemas é a cidade-mulher: "O poeta busca nas imagens concretas da cidade a dimensão humana, o sensualismo que ela perdeu, devido ao grosseiro desenvolvimento capitalista. A fria cidade-mulher o subjuga, como ao operário. Ela é dominadora, falta-lhe a naturalidade que é própria do amor. Nas relações amorosas entre o poeta e a cidade-mulher, falta igualmente a vitalidade biológica, inerente ao amor realista" (Abdala & Paschoalin 1985: 115). Esta cidade-mulher é montada por "flashes", uma forma de composição similar às montagens cinematográficas. Esse processo evoluiu para a justaposição de imagens fragmentárias e múltiplas.

"Introduziu no verso o processo queirosiano de suprir pelo adjectivo ou pelo advérbio uma relação lógica extensa, de imediatizar, pela surpresa da relação verbal, uma sugestão que morreria se fraseologicamente se desdobrasse: "quando passas, aromática e normal"; "cheiro salutar e honesto ao pão no forno"; "pés decentes, verdadeiros"; "eu tudo encontro alegremente exacto"; "amareladamente, os cães parecem lobos"; etc. Realiza, de forma original, aquilo que Umberto Eco define como constrições expressivas: "O poeta escolhe uma série de constrições expressivas, e depois aposta que o conteúdo, seja ele qual for, e por mais que possa preceder a escritura, se adequará às constrições expressivas, e melhor ainda se disso sair modificado. O poeta olha o mundo tal como as constrições do verso lhe impõem. Não só, mas olha também a língua do mesmo modo." (Eco 1989: 242-243).

Essas constrições expressivas, que na verdade são características de toda linguagem poética, "uma variação ornamental da prosa, o fruto de uma arte (ou seja, de uma técnica)" (Barthes 1974: 140), são trabalhadas num nível que faz-nos considerar que Cesário Verde trabalha a forma da poesia (a expressão correta, a construção das frases), mas sabe aliá-las ao conteúdo. Essa preocupação formal, esse apego ao descritivo lembra a poesia parnasiana, mas o subjetivo domina o poeta e ele expressa sentimentos por contraste ao objetivo, ao descritivo, ao observado no mundo exterior.

A par disto, "Cesário consegue valorizar poeticamente o vocabulário e o tom de fala mais correntios na linguagem coloquial urbana embalando o leitor num ritmo que ondula entre a atenção ao pormenor e um abrir de horizontes, entre a sátira ou a degradação, que nos oprimem, e um relance de beleza real, que nos expande." (Saraiva & Lopes 1989: 990).

O lirismo de Cesário é visto como "não-amoroso, não panfletário, não metafísico. Lirismo dum repórter, mas dum repórter atraído pela cidade, sensível a todas as suas pulsações, inclusive as nauseantes, disformes ou repugnantes. Ou, por outra, lirismo "realista", porém não-fotográfico, nem frio: o poeta emociona-se, e muito, e é sua emoção perante o real cotidiano que procura transmitir ao leitor" (Moisés 1989: p.303-4).

Cesário é também visto como poeta do cotidiano, com "preocupação não-consciente nem programática de infringir as tradicionais regras do jogo estético" (Moisés 1972: 215) e, na sua última fase, depois de 1881, no contato com o ar livre, encontrava o habitat próprio para o seu visceral impressionismo (Moisés 1972: 220-221).

De igual forma é visto com características impressionistas, juntamente com Eça de Queirós, Fialho de Almeida, Machado de Assis, Raul Pompéia, Euclides da Cunha, Graça Aranha, Coelho Neto (Coutinho 1990: 207-212) (Andrade 1987: 39), Afrânio Peixoto e Adelino de Magalhães (Proença Filho 1973: 270).

3. O impressionismo na pintura

O Impressionismo na pintura decorre dos quadros de Claude Monet, denominado Impressions e exibido com escândalo no Salão do Boulevard des Capucins em 1874. O livro de Louis Duranty, Les Peintres Impressionistes, publicado em 1878, oficializou a designação. O movimento "surgiu como um simples processo de escrita, um método para projetar sobre uma tela plástica de duas dimensões, signos extraídos de uma natureza provedora de formas a descobrir." (Francastel 1973: 204). "Nunca antes de Monet havia sido concebida a idéia de fundar a representação integral do mundo na decomposição em cores puras da luz." (Francastel 1973: 207).

A pintura impressionista não se preocupa com a visão objetiva e estática da realidade. Não é uma pintura intelectual. Ela se limita a representar a impressão do pintor, isto é, o efeito mais ou menos pronunciado que a ação dos objetos exteriores produz sobre os órgãos dos sentidos; é sua visão particular que o artista vai se esforçar por representar na tela e não mais o que ele sabe ser das coisas, o que sua formação lhe ensinou (Serullaz 1965: 7). É o sentimento da permanente transformação do mundo, que leva à impressão de uma continuidade em que tudo se funde, onde o que importa são as diferentes atitudes e pontos de vista do observador. Assim, não há na natureza cores permanentes: existe constante mutação. As formas das coisas são criadas pela luz e não pelas linhas. Por outro lado, passa a existir tem a convicção de que não existe a ausência completa de luz na natureza, e, portanto, não há lugar para a tinta preta nos quadros impressionistas. (Proença Filho 1973: 265-266).

Essa arte coloca-se contra a estandartização e revela as tensões de um moderno homem citadino. A realidade é vista como um processo, onde todas as coisas estão em movimento contínuo. É uma arte sensorial, isto é, procura registrar os objetos através de impressões, normalmente pictóricas (Abdalla Jr. e Paschoalin 1985: 126).

É um sistema de pintura que consiste em exprimir pura e simplesmente a impressão tal como foi experimentada materialmente; o artista impressionista é o pintor que se propõe representar os objetos segundo suas impressões pessoais, sem se preocupar com as regras geralmente admitidas. (Serullaz 1965: 7).

O termo e a técnica se aplicam inicialmente à pintura, mas podem estender-se à literatura e, inclusive, não se encerrar somente num país ou num determinado período temporal.

Para pintar essa natureza que se torna sua principal preocupação, os pintores trabalham ao ar livre, junto ao motivo. Não realizarão apenas estudos para um quadro executado depois no atelier, mas completarão a tela, e aí está sua grande originalidade, no próprio local e o mais rapidamente possível, porque a natureza é cambiante e trata-se de apreender uma impressão fugitiva. (Serullaz 1965: 8)

Como técnica, podemos observar o seguinte: "O desenho-contorno que precisa a forma e sugere o volume é banido. A perspectiva não é mais baseada nas regras da geometria mas é realizada, do primeiro plano para a linha do horizonte, pela degradação das tintas e dos tons, que marca assim o espaço e o volume. Precisemos, aliás, que entendemos, como o fez Signac, por tinta a qualidade de uma cor (por exemplo, para os azuis: além-mar, cobalto, da Prússia, cerúleo etc.) e por tom o grau de intensidade de uma tinta, do mais carregado ao mais claro, cada tinta passando portanto por uma série de tons. (...) Assim um violeta, por exemplo, será sugerido por pequenos toques justapostos de vermelho e de azul. (Serullaz 1965: 9).

Vale lembrar, portanto, que o impressionismo elabora sua estética, tendo como ponto de partida elementos naturalistas cujas limitações, no entanto, transcendem pelo fato de amalgamá-los a componentes subjetivos, relativizantes e individualizantes, em que o dinâmico e o protéico fortemente se insinuam, por aceitação de elementos simbolistas (Pino & Martins & Zilberknop 1980: 42). Essa observação vale para a pintura e para a literatura, mercê do sincretismo estético que caracteriza o final do século XIX.

A particularidade que o Impressionismo tem a seu favor, como autêntica revolução, é a de haver colocado em novo nível de avaliação os elementos emoção e razão. Emoção pura motivada pelos sentidos, através de novas formas de estímulo, e razão, não mais moralizante, sociológica ou anedótica, mas pura razão estética que enriquece o patrimônio cultural humano ao abrir-lhe o campo da pintura como terreno especificamente pictural (Pedrosa 1982: 125).

4 - O impressionismo na Literatura

Nos fins do século XIX e no início do século XX, há um momento na literatura ocidental em que se cruzam as mais variadas tendências. Configura-se uma fase de sincretismo decorrente da interpenetração de elementos realistas e naturalistas, com elementos de reação idealista representada pelo Simbolismo. Essa atitude estética tem sido denominada de Impressionismo.

Embora seja uma realidade comum na Pintura e nas outras artes, o Impressionismo só há pouco foi caracterizado e nomeado devidamente por estudiosos como Charles Bally, Elise Richter, Amado Alonso, Raimundo Lida, W. Falk, B. J. Gibbs, Afrânio Coutinho e outros (Proença Filho 1973: 272-273).

Na verdade, por ter-se mostrado fronteiriço com o Realismo, o Naturalismo e o Simbolismo, há uma certa dificuldade para se separar o impressionismo da linguagem do impressionismo pictórico e distingui-lo de experiências semelhantes em literatura, denominadas impressionismo literário. Amado Alonso e Raimundo Lida, em El impresionismo en el lenguaje, (Bally et alii 1956: 107-205), designa, por linguagem impressionista, oito aspectos: a) os estilo dos escritores que são chamados de impressionistas, b) a linguagem cujo conteúdo é uma experiência impressionista: c) a linguagem "fenomenista", conforme Charles Bally; d) a escrita que evita a construção regular da frase e do período e prefere os toques isolados, isto é, orações nominais; e) a linguagem dessubjetivada, isto é, com a supressão do eu; f) a expressão da pura sensação instantânea, não deformada por nosso conhecimento prévio; g) a linguagem objetiva, em oposição à expressionista (subjetiva).

A gênese do Impressionismo, "como fenômeno literário, dá-se no seio do Realismo-Naturalismo, de que ele é um produto. Em verdade, o Impressionismo é uma forma do Realismo, resultante de sua transformação por efeito das variações estéticas e culturais do fim do século e da reação idealista. É o produto da fusão de elementos simbolistas e realístico-naturalistas. A reprodução da realidade, de maneira impessoal, objetiva, exata, minuciosa, constituía a norma realista; para o impressionista, a realidade ainda persiste como foco de interesse, mas, ao contrário, o que pretende é registrar a impressão que a realidade provoca no espírito do artista, no momento mesmo em que se dá a impressão. O mais importante no Impressionismo é o instantâneo e único, tal como aparece ao olho do observador. Não é o objeto, mas as sensações e emoções que ele desperta, num dado instante, no espírito do observador, que é por ele reproduzido caprichosa e vagamente. Não se trata de apresentar o objeto tal como visto, mas como é visto e sentido num dado momento." (Coutinho 1990: 223)

"Se se quiser sintetizar numa fórmula filosófica a essência da atitude impressionista, esta deverá ser, como sugeriu Arnold Hauser, a idéia de Heráclito de que o homem não mergulha duas vezes no rio da vida em eterno movimento para diante (Coutinho 1990: 224) (Hauser 1972:1050).

De acordo com Maurice Serullaz, a correspondência entre pintura, literatura e música no Impressionismo pode ser observada como a "notação rápida da impressão fugitiva, esse triunfo da sensação sobre a concepção racional - o "sinto, logo existo" de Gide substituindo o "penso, logo existo" do cartesianismo clássico. Cores, palavras e sons servem então ao artista para traduzir sensações experimentadas pelo homem; o músico e o poeta "pintam" aquilo que eles experimentam e o pintor sugere a música das coisas (Serullaz 1965: 12)".

Nessa linha de correspondência, temos as obras dos músicos Claude Debussy (1861-1918), Gabriel Fauré (1845-1924) e Maurice Ravel (1875-1937); dos escritores André Gide (1869-1951), Marcel Proust (1871-1922) e Pierre Loti (1850-1923); dos poetas Paul Verlaine (1844-1896) e Arthur Rimbaud (1854-1891), entre outros.

Claude Debussy pratica, como os pintores impressionistas, toda as formas da fragmentação, do retalhamento, da decomposição dos sons e dos timbres. Gabriel Fauré pratica uma arte de nuances, evocando o mar, as vagas, as nuvens e o vento, em uma música onde o ritmo é apenas sensível.

Os escritores retomam dos pintores seus temas de predileção: a água, a luz, as vibrações, os reflexos, o vento, etc. André Gide, em Os frutos da terra, afirma: "Não basta ler que as areias das praias são doces; quero que meus pés as sintam... É-me inútil todo conhecimento que uma sensação não precedeu" (Gide 1982: 28). Marcel Proust, nos volumes de À procura do tempo perdido, apresenta a metamorfose das coisas representadas, análoga àquela que em poesia se chama "metáfora", isto é, se já havia uma nomeação da realidade , seria necessário renomeá-la, recriá-la (Serullaz 1965: 14). Pierre Loti, em Pêcheur d’Islande utiliza a impressão que o presente lhe causa para retornar ao passado, fazendo a narrativa em três faixas de tempo (o presente, o tempo da recordação e a recordação de fatos anteriores) (Proença Filho 1973: 263). Paul Verlaine, em Arte Poética, privilegia a música, valoriza o ímpar, o vago, a nuance, a sugestão, ao invés da busca do registro convencional da realidade.

Um outro elenco de escritores pode ser incluído: os irmãos Edmond (1822-1896) e Jules Goncourt (1830-1870), Henry James (1843-1916), Joseph Conrad (1857-1924), Anton Tchecov (1860-1904), Stephen Crane (1871-1900), Katherine Mansfield (1888-1923), Thomas Wolfe (1900-1938), Fialho de Almeida (1875-1911).

Algumas características do Impressionismo Literário parecem-nos necessárias para procurarmos estabelecer a correspondência entre as técnicas impressionistas da pintura aplicadas à literatura. Escolhemos uma série de conceitos estudados por teóricos que podem ser aproveitados para nosso objeto de estudo.

Varios teóricos dedicaram-se ao estudo do impressionismo literário: Addison Hibbard, na obra Writers of the Western World ; Maurice Serullaz, em O Impressionismo, estabelece algumas correspondências entre pintura, literatura e música impressionistas; Raúl Castagnino, em Análise Literária, trata do impressionismo sob o ponto de vista estilístico; Afrânio Coutinho, em Introdução à literatura no Brasil, faz uma síntese significativa dos estudos sobre o impressionismo literário, adequando-o à literatura brasileira: Domício Proença Filho, em Estilos de época na Literatura, inclui autores brasileiros e portugueses dentro das técnicas literárias impressionistas; Benjamin Abdala Júnior e Maria Aparecida Paschoalin, em História Social da Literatura Portuguesa, inclui o Impressionismo como período literário português; Arnold Hauser, em História Social da Literatura e da Arte, expõe as relações entre pintura e literatura impressionistas.

Merece destaque especial o livro El Impresionismo en el lenguaje, de Charles Bally, Elise Richter, Amado Alonso e Raimundo Lida, que analisa o impressionismo sob vários enfoques:

a) impressionismo e gramática, de acordo com Charles Bally (Bally & Richter & Alonso & Lida 1956: 12-44), cujo estudo estilístico relaciona as palavras pelo impressionismo, isto é, não separa com precisão o fenômeno de sua causa (Bally et alii 1956: 13), e pelo causalismo, em que o fenômeno se percebe como ação transitiva exercida por um agente em direção a um objeto (Bally et alii 1956: 13). Não se refere a nenhuma forma de expressão artística, mas sim sobre a palavra em sua acepção puramente etimológica.

b) impressionismo, expressionismo e gramática (Bally et alii 1956: 45-103), conforme estudo de Elise Richter (Bally et alii 1956: 45-103): apresenta as gradações do mesmo fenômeno desde a mais ousada descoberta artística de um poeta até as mais manuseadas expressões da língua popular. Para explicar o impressionismo linguístico, parte do pictórico, em que o pintor se entrega a sua expressão momentânea das coisas sem as correlações que nela introduzem a razão e a experiência do homem normal (Bally et alii 1956: 47).

c) o conceito linguístico de impressionismo, de acordo com Amado Alonso e Raimundo Lida (Bally et alii 1956: 105-205), que aborda o impressionismo na pintura de acordo com o movimento pictórico do século XIX (Monet, Manet e outros) e na literatura (Daudet e os irmãos Goncourt), no sentido de transpor ou adaptar os procedimentos pictóricos para o fazer literário, o "pintar com palavras" (Bally et alii 1956: 107).

d) por último, Amado Alonso, sob o título "Por quê a linguagem em si mesma não pode ser impressionista" (Bally et alii 1956: 205-245), aprofunda o estudo do ensaio anterior, em co-autoria com Raimundo Lida, e explica que, devido aos inúmeros conceitos do impressionismo, conclui que a linguagem é desimpressionista: pois a experiência visual impressionista não deve confundir com a experiência idiomática de expressá-la, e a expressão da pura sensação instantânea, não deformada por nosso conhecimento prévio é impossível, já que a linguagem supõe necessariamente um sistema de categorias intelectuais com que saímos ao encontro da experiência individual. (Bally et alii 1956: 108).

Ao se referir à análise estilística, Raúl Castagnino analisa o impressionismo por oposição ao expressionismo, com base no "pulso da dependência palavra-sensação", na procura de deslindar äs vias sensoriais através das quais reagiu o autor que procurou expressar suas sensações por meio de palavras" (Castagnino 1971: 233). Citando Rivas Sáinz , afirma que "os sentidos são como esclusas por onde a alma se derrama para fora; contudo, são também aberturas por onde o fluir das coisas nela desemboca. Quando esclusas ou aberturas se fecham, cessa o ativo intercâmbio entre o mundo interior e o exterior e a alma inteira trabalha consigo, aproveitando as anteriores contribuições sensitivas, isto é, aproveitando um segundo estado destas: seu estado imaginativo" (Castagnino 197l: 233-234).

Tanto a cirscunstância exterior e imediata, como a mediata, como o mundo interior do criador literário, também se expressam por palavras referidas aos sentidos, sejam os comuns ou os especiais. E um escritor é mais sensitivo, mais plástico, na medida em que seja mais capaz de traduzir por meio da palavra suas sensacões em imagens (Castagnino 1971: 234).

A escolha do escritor não pode ser absolutamente livre, pois está condicionada pelo preceituário, pelo gramaticalismo, pelo espírito da língua e "o mínimo de sentido necessário que o criador deve por em sua expressão para que esta seja intelegível." (Castagnino 1971: 234-235). É necessário aliar gramaticalidade e inteligibilidade, isto é, dentro do conceito saussureano de língua como fato social, deve permitir a comunicação. "O trabalho seletivo do criador consiste em dar coerência e sucessão lógica àquelas sensações que chegaram a ele ou descontínuas, ou simultâneas, ou incoerentes. E consiste em reproduzir - isto o viu genialmente Aristóteles em sua teoria da mimese - com uma nova matéria: a palavra - vale dizer, som, idéia, imagem, sugestão - o que na realidade é forma, cor, som, corpo, massa, movimento, energia, calor, frio ou alegria, ou medo, ou dor, ou morte. E sugeri-lo com suas respectivas aparências. Daí que o acerto da imagem obtida pela palavra como tradução da sensação seja acerto das aparências e da sugestão. A literatura é, no fundo, a arte das aparências sugestivas. (o grifo é nosso)" (Castagnino 1971: 235).

Na captação dos símbolos e da interpretação das aparências sugestivas desempenha, evidentemente, um papel básico o fator individual, pois uma mesma aparência pode ser valorizada distintamente em seu caráter de símbolo por diferentes sujeitos. Aqui entra estilo e individualidade, aspectos que distinguem os criadores literários entre si e entre épocas.

"Às aparências dos sinais e dos símbolos somam-se, na criação literária, as provenientes da órbita conceptual, da imaginativa, da emotiva etc. Nestas aparências sugestivas que constituem a expressão literária cabe, ademais, o pretender entornar diretamente as sensações percebidas, sem analisá-las, transcrevendo-as sem investigar se provêm de estimulos reais ou ilusórios, pretensão que comporta um recurso técnico, ou atitude, ou modalidade, que se denomina impressionista." (Castagnino 1971: 236).

Segundo Cressot , expressionismo e impressionismo são maneiras de perceber o mundo exterior e de traduzir tais percepções. O impressionismo, em especial, dá os fatos exteriores tal como os capta uma percepção imediata, sem acomodação lógica.

A partir desses conceitos gerais, podemos enumerar aspectos particulares que nos auxiliam na observação do impressionismo literário, especialmente aqueles que dizem respeito à linguagem poética de Cesário Verde:

a) "O impressionismo capta os fatos exteriores sem referi-los a causa ou efeito. Prefere as formas impessoais, as construções nominais, as sinestesias. Cada objeto na captação impressionista aparece animado de um dinamismo interno..." (Castagnino 1971: 237)

b) "A materialização do que é essencialmente abstrato, imaterial, é outra tendência impressionista." (Castagnino 1971: 237) Trata-se da "cenestesia , recurso impressionista que materializa o imaterial, o estado de ânimo (Castagnino 1971: 237)".

É o que podemos observar na primeira estrofe da primeira parte de "O Sentimento dum Ocidental"

Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal mecancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam um desejo absurdo de sofrer. (I, 1)

c) "A noção de tempo manifesta-se também em atitude diferente para o expressionismo ou impressionismo. (...) O impressionismo (...), na captação imediata, sem relação de causa e efeito, vê o tempo como o inatingível, como um perpétuo fluir, subjetivamente (Castagnino 1971: 238)."

d) construção oracional - desprendida das relações lógico-gramaticais, com frases curtas e acumulativas (Castagnino 1971: 238).

e) "A presença de sensações auditivas nas sinestesias permite falar estilisticamente de sons impressionistas, pois através deles o criador procurou transmitir a insinuação, a sugestão ampla dos seres e das coisas; não sua reprodução, sua cópia; não os seres e as próprias coisas, e, sim, sua impressão (Castagnino 1971: 240)."

f) É o "domínio do momento sobre a continuidade e a permanência, pois a realidade não é um estado coerente e estável, mas um vir-a-ser, um processo em curso, em crescimento e decadência, uma metamorfose (Coutinho 1990: 224)."

g) "Arte de cunho pictórico, o Impressionismo Literário acompanha a técnica dominante da pintura com o "pontilhismo", o "divisionismo", acumulando sensações isoladas, detalhes, para a captação de um mundo de aparências efêmeras, que o leitor apreende, depois sintetizando, somando os aspectos parciais. O impressionista "inventa" paisagens, que parecem mais autênticas do que a realidade (Coutinho 1990: 226)."

5 - Anexo: primeira versão de "O sentimento dum ocidental" (1880)

O Sentimento dum Ocidental

I

Nas nossas ruas, ao anoitecer,

Há tal soturnidade, há tal melancolia,

Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia

Despertam um desejo absurdo de sofrer.

O céu parece baixo e de neblina,

O gás extravasado enjoa-nos, perturba;

E os edifícios, com as chaminés, e a turba

Toldam-se duma cor monótona e londrina.

Batem os carros de aluguer, ao fundo,

Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!

Ocorrem-me em revista, exposições, países:

Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!

Semelham-se a gaiolas, com viveiros, As edificações somente emadeiradas:

Como morcegos, ao cair das badaladas,

Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.

Voltam os calafates, aos magotes,

De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos;

Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,

Ou erro pelos cais a que se atracam botes.

E evoco, então, as crónicas navais:

Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado!

Luta Camões no Sul, salvando um livro, a nado!

Singram soberbas naus que eu não verei jamais!

E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!

De um couraçado inglês vogam os escaleres;

E em terra num tinir de louças e talheres

Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda.

Num trem de praça arengam dois dentistas;

Um trôpego arlequim braceja numas andas;

Os querubins do lar flutuam nas varandas;

Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas!

Vazam-se os arsenais e as oficinas,

Reluz, viscoso, o rio; apressam-se as obreiras;

E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,

Correndo com firmeza, assomam as varinas.

Vem sacudindo as ancas opulentas!

Seus troncos varonis recordam-me pilastras;

E algumas, à cabeça, embalam nas canastras

Os filhos que depois naufragam nas tormentas.

Descalças! Nas descargas do carvão,

Desde manhà à noite, a bordo das fragatas;

E apinham-se num bairro aonde miam gatas,

E o peixe podre gera os focos de infecção!

II

Toca-se às grades, nas cadeias. Som

Que mortifica e deixa umas loucuras mansas!

O Aljube, em que hoje estão velhinhas e crianças,

Bem raramente encerra uma mulher de "dom"!

E eu desconfio, até, de um aneurisma

Tão mórbido me sinto, ao acender das luzes;

À vista das prisões, da velha Sé, das Cruzes,

Chora-me o coração que se enche e que se abisma.

A espaços, iluminam-se os andares,

E as tascas, os cafés, as tendas, os estancos

Alastram em lençol os seus reflexos brancos;

E a lua lembra o circo e os jogos malabares.

Duas igrejas, num saudoso largo,

Lançam a nódoa negra e fúnebre do clero:

Nelas esfumo um ermo inquisidor severo,

Assim que pela história eu me aventuro e alargo.

Na parte que abateu no terremoto,

Muram-me as construções rectas, iguais, crescidas;

Afrontam-me, no resto, as íngremes subidas,

E os sinos de um tanger monástico e devoto.

Mas, num recinto público e vulgar,

Com bancos de namoro e exíguas pimenteiras,

Brônzeo, monumental, de proporções guerreiras,

Um épico doutrora ascende, num pilar!

E eu sonho o Cólera, imagino a Febre,

Nesta acumulação de corpos enfezados;

Sombrios e espectrais recolhem os soldados,

Inflama-se um palácio em face de um casebre.

 

Partem patrulhas de cavalaria

Dos arcos dos quartéis que foram já conventos;

Idade Média! A pé, outras, a passos lentos,

Derramam-se por toda a capital, que esfria.

Triste cidade! Eu temo que me avives

Uma paixão defunta! Aos lampiões distantes,

Enlutam-me, alvejando, as tuas elegantes,

Curvadas a sorrir às montras dos ourives.

E mais: as costureiras, as floristas

Descem dos magasins, causam-me sobressaltos;

Custa-lhes a elevar os seus pescoços altos

E muitas delas são comparsas ou coristas.

E eu, de luneta de uma lente só,

Eu acho sempre assunto a quadros revoltados:

Entro na brasserie; às mesas de emigrados

Joga-se, alegremente e ao gás, o dominó!

III

E saio. A noite pesa, esmaga. Nos

Passeios de lajedos arrastam-se as impuras.

Ó moles hospitais! Sai das embocaduras

Um sopro que arripia os ombros quase nus.

Cercam-me as lojas, tépidas. Eu penso

Ver círios laterais, ver filas de capelas,

Com santos e fiéis, andores, ramos, velas,

Em uma catedral de um comprimento imenso.

As burguesinhas do catolicismo

Resvalam pelo chão minado pelos canos;

E lembram-me, ao chorar doente dos pianos,

As freiras que os jejuns matavam de histerismo.

Num cuteleiro, de avental, ao torno,

Um forjador maneja um malho, rubramente;

E de uma padaria exala-se, inda quente,

Um cheiro salutar e honesto a pão no forno.

E eu, que medito um livro qu exacerbe,

Quisera que o real e a análise mo dessem:

Casas de confecções e modas resplandecem;

Pelas vitrines olha um ratoneiro imberbe.

Longas descidas! Não poder pintar

Com versos magistrais, salubres e sinceros,

A esguia difusão dos vossos reverberos,

E a vossa palidez romântica e lunar!

Que grande cobra, a lúbrica pessoa,

Que espartilhada escolhe uns xales com debuxo!

Sua excelência atrai, magnética, entre o luxo,

Que ao longo dos balcões de mogno se amontoa.

E aquela velha, de bandós! Por vezes,

A sua traîne imita um leque antigo, aberto,

Nas barras verticais, a duas tintas. Perto,

Escarvam, à vitória, os seus mecklemburgueses.

Desdobram-se tecidos estrangeiros;

Plantas ornamentais secam nos mostradores;

Flocos de pós de arroz pairam sufocadores,

E em nuvens de cetins requebram-se os caixeiros.

Mas tudo cansa! Apagam-se, nas frentes,

Os candelabros, como estrelas, pouco a pouco;

Da solidão regouga um cauteleiro rouco;

Tornam-se mausoléus as armações fulgentes.

"Dó da miséria! ... Compaixão de mim! ..."

E nas esquinas, calvo, eterno, sem repouso,

Pede-se sempre esmola um homenzinho idoso,

Meu velho professor nas aulas de latim!

IV

O tecto fundo de oxigénio, de ar,

Estende-se ao comprido, ao meio das trapeiras;

Vêm lágrimas de luz dos astros com olheiras,

Enleva-me a quimera azul de transmigrar.

 

Por baixo, que portões! Que arruamentos!

Um parafuso cai nas lajes, às escuras:

Colocam-se taipais, ringem as fechaduras,

E os olhos dum caleche espantam-me, sangrentos.

E eu sigo, como as linhas de uma pauta,

A dupla correnteza augusta das fachadas;

Pois sobem, no silêncio, infaustas e trinadas,

As notas pastoris de uma longínqua flauta.

Se eu não morresse, nunca! E eternamente

Buscasse e conseguisse a perfeição das cousas!

Esqueço-me a prever castíssimas esposas

Que aninhem em mansões de vidro transparente!

Ó nossos filhos! Que de sonhos ágeis,

Pousando, vos trarão a nitidez às vidas!

Eu quero as vossas mães e irmãs estremecidas,

Numas habitações translúcidas e frágeis.

Ah! Como a raça ruiva do porvir,

E as frotas dos avós, e os nómadas ardentes,

Nós vamos explorar todos os continentes

E pelas vastidões aquáticas seguir!

Mas se vivemos, os emparedados

Sem árvores no vale escuro das muralhas! ...

Julgo avistar, na treva, as folhas das navalhas

E os gritos de socorro ouvir, estrangulados.

 

E nestes nebulosos corredores

Nauseiam-me, surgindo, os ventres das tabernas;

Na volta, com saudade, e aos bordos sobre as pernas,

Cantam, de braço dado, uns tristes bebedores.

Eu não receio, todavia os roubos;

Afastam-se, a distância, os dúbios caminhantes;

E sujos, sem ladrar, ósseos, febris, errantes,

Amareladamente, os cães parecem lobos.

E os guardas, que revistam as escadas,

Caminham de lanterna e servem de chaveiros;

Por cima, as imorais, nos seus roupões ligeiros,

Tossem, fumando sobre a pedra das sacadas.

E enorme, nesta massa irregular

De prédios sepulcrais, com dimensões de montes,

A dor humana busca os amplos horizontes,

E tem marés, de fel, como um sinistro mar!

 

A transcrição acima é a da primeira versão, que saiu em Portugal a Camões, publicação extraordinária do Jornal de Viagens, do Porto, de 10 de junho de 1880. A segunda versão faz parte de O livro de Cesário Verde, edição numerada de duzentos exemplares, impressa em Lisboa na Tipografia Elzeviriana, com um retrato do poeta feito de cor por Columbano. A iniciativa da publicação foi de António de Silva Pinto, amigo de Cesário. Os livros foram oferecidos a amigos e admiradores do poeta. A segunda edição ocorreu em 1901.

Há pequenas modificações, como a dedicatória a Guerra Junqueiro e "os títulos dos poemetos, que só aparecem no Livro", o que leva a "crer que Silva Pinto tenha tido à mão o original do poema posterior à primeira publicação. A terem existido manuscritos, e cremos que alguns houve, o do Sentimento dum Ocidental teria sido um deles." (Serrão 1957: 108-109).

Dessas modificações, interessam-nos os títulos das quatro partes do poema (ave-marias, noite fechada, ao gás, horas mortas) e as mudanças de pronome pessoal ou de alguns versos.Sempre que necessário, reportar-nos-emos à segunda versão, pois é a que tem sido mais divulgada.

6. A poesia-pintura impressionista como expressão do sentimento de um ocidental

Poesia, pintura, música, fotografia, jornal e cinema - sob esses seis aspectos podemos observar O Sentimento dum Ocidental. O poema, como um todo, se constrói como um olhar para a cidade em quatro momentos e muitas cenas recortadas, pequenos painéis aparentemente desconexos, como uma sucessão de ideogramas e de metáforas. À medida em que descreve as ruas e as pessoas, o eu-poético registra impressões que se entrecruzam em diferentes tempos (cronológico - presente e passado - e psicológico) e espaços (cidade presente, cidade passada, memória, história etc.).

A poesia em estudo se constrói com a visão da pintura, com auxílio da fotografia, com a técnica avant la lettre do cinema (Moura 1987: 22-25), como uma sinfonia em quatro andamentos - Ave-Marias, Noite Fechada, Ao Gás, Horas Mortas (Serrão 1957: 68). Também é possível observá-la como se, a cada dois versos, de um modo geral, o poeta procurasse a síntese semelhante à das manchetes de um jornal, procurando mostrar uma visão panorâmica.

Parece-nos necessário observar que, na ligação poeta x mundo, há uma inversão singular: o realismo "é só fotográfico na aparência". "Ao invés de retratar o objeto exterior, para o qual se volta sempre, o poeta identifica-o com o que lhe vai na sensibilidade e na consciência poética, isto é, com o seu mundo interior (Moisés 1972: 218)."

Joel Serrão, que estabeleceu relações entre o campo e a cidade na poesia de Cesário Verde (Serrão 1957: 49-85), afirma que o poeta "revela a atitude de quem está ante a cidade (Serrão 1957: 66)", semelhante ao que afirmam Amado Alonso e Raimundo Lida, sobre o impressionismo: "oferece, não as coisas, mas as idéias das coisas e nossa atitude ante elas (Bally & Richter & Alonso & Lida 1956: 47)".

O Sentimento "ressuma o tédio citadino", na esteira de Baudelaire. "Tédio pessoal que se transmuta gradualmente em dor anônima duma cidade humanizada. Em técnica contrapontística, uma piedade humana que se transmuta gradualmente em revolta, em sarcasmo (Serrão 1957: 70)." O poema encerra "um lirismo não-amoroso, não panfletário, não-metafísico. Lirismo dum repórter, mas dum repórter atraído pela cidade, sensível a todas as suas pulsações, inclusive as nauseantes, disformes ou repugnantes." (Moisés 1989: 303-304).

Ampliando o conceito observado pelos críticos acima citados, podemos incluir a análise de Philadelpho Meneses, aproximando Baudelaire e Cesário Verde: "A lei do efêmero e das aparências mutantes da modernidade metaforiza-se exemplarmente na figura da multidão, a massa humana das ruas das grandes cidades industriais que apresenta contraditoriamente a uniformidade do movimento coletivo e a singularidade das feições, a aparente integração no conjunto e a sensação de isolamento dos indivíduos." (Meneses 1994: 59). Assim se caracteriza O Sentimento, os poemas de Baudelaire os contos de Edgard Allan Poe. É o que pode ser observado como a metáfora da cidade-mulher (Abdala Júnior & Paschoalin 1985: 115). É o que podemos apresentar como o poeta-pintor e suas impressões-poesias sobre uma cidade em transformação. Concentrando o conceito para o poema O Sentimento, poderíamos afirmar: uma luneta de uma lente só que produz quadros revoltados de um poeta-pintor impressionista que olha o coletivo e o individual numa Lisboa que se mostra entre o presente e o passado.

O poema em estudo pode configurar-se como uma "paleta de um colecionador de imagens" (Serrão 1957: 30) e o poeta pode ser estudado junto com Júlio César Machado (escritor lisboeta e autor de A vida em Lisboa, Lisboa na rua, etc.) e com Eça de Queiros de A Capital, através do olhar do personagem-poeta Artur Curvelo.

As análises acima citadas correspondem a uma preocupação que o próprio Cesário Verde tinha com o fazer literário e que pode, de certa forma, ser comprovada em suas cartas: "Eu não sou como muitos que estão no meio de um grande ajuntamento e completamente isolados e abstractos. A mim o que me rodeia é o que me preocupa (...)" (Serrão 1957: 178). Desse olhar o que o rodeia, desse dedicar-se às atividades profissionais e às literárias, que lhes são aparententemente contraditórias, é que o poeta transforma o seu mundo em linguagem poética, sob o filtro ideológico do seu tempo, o que para nós se configura como a poesia-pintura impressionista como expressão do sentimento de um homem ocidental. Ou o que poderia ser visto como um poeta, uma cidade e muitas palavras-tintas numa tela-papel.

O Sentimento dum Ocidental é composto de quatro partes, cada uma delas com onze estrofes de quatro versos cada. O número quatro parece "perseguir" o poema: estrofes de quatro versos ou quadras, num total de 44 estrofes e, por conseguinte, 176 versos. A palavra quadra, que designa normalmente estrofes de quatro versos, parece transformar-se em quadros, isto é, quatro quadros, ou seja, dois versos mais dois versos, no interior dos versos.

Além disso, em cada estrofe, ocorre uma alternância de dez (primeiro verso) e de doze sílabas (do segundo ao quarto verso). Nas edições da poesia de Cesário que observamos, essa alternância fica evidenciada por um espaço, da direita para a esquerda, como uma espécie de parágrafo, no primeiro verso de cada estrofe. Juntamente com o número fixo de versos por estrofes, o poema parece apresentar uma arquitetura regular que obedece a uma estrutura lógica e harmônica entre as partes, mostrando uma simetria. Seria intenção do poeta buscar um efeito no leitor, para que ele não se cansasse das constrições expressivas e de um universo amplo demais para uma leitura de uma só assentada, como estudou Edgar Allan Poe?

A visão particular (ora eu, ora nós, ora ele) vai ampliando o círculo de ação (simbolização da realidade por meio das palavras) e torna-se geral, se universaliza num sentimento nacional e se torna o sentimento de um ocidental. O individual e o coletivo, por fora e por dentro, o ontem na memória e na lembrança a partir de um elemento da realidade presente, e o hoje que provoca sensações e sentimentos diversos.

Numa outra correlação, podemos dizer que a poesia torna-se pintura, pois o poeta olha a realidade por uma luneta de uma lente só e encontra quadros revoltados (panoramas, paisagens), que se configura como a metáfora de O Sentimento. A palavra passa a ser cores e manchas, que se articulam em frases rápidas e curtas, aliás, pinceladas e traços. As quadras passam a ser dísticos duplos, isto é, miniaturas concentradas em pares de versos.

As semelhanças ocorrem aos níveis semântico e temático, mas se apresentam nos níveis lexical e sintático e configuram uma linguagem poética.

Essas considerações nos levam a observar a relação do poema O Sentimento dum Ocidental com a pintura impressionista, de forma semelhante a que Marshall Mcluhan e Harley Parker estabeleceram entre o espaço na poesia e na pintura através do ponto de fuga: "justapor uma poesia a uma pintura se propõe iluminar o mundo do espaço verbal por intermédio de um entedimento de espaços tal como foram definidos e explorados pelas artes plásticas. (...) A vantagem de utilizar as duas artes, tanto a poesia como a pintura, simultaneamente, é que a primeira permite uma viagem para dentro da aparência das coisas e a segunda uma jornada para fora da aparência das coisas (McLuhan e Parker 1975: 1-2)".

Qual é a estrutura comum entre uma pintura impressionista e o poema O Sentimento dum Ocidental? Pertencem ambos ao mesmo tempo cronológico e, por isso, apresentam estéticas semelhantes? A construção de um poema obedece à mesma estrutura de uma pintura, embora os suportes e os meios sejam diferentes?

O Sentimento dum Ocidental - As vinculações do poema à pintura impressionista ocorrem em vários níveis: na linguagem que se refere à pintura; na procura da pintura do ambiente poético com palavras; no impressionismo literário de que o texto se reveste, vinculando-o ou não ao período literário compreendido entre 1860 a 1910, com unidade de principios estéticos, concepção de vida e artifícios técnicos próprios. (Coutinho 1990:209 ) (Proença Filho 1973: 266).

Vale lembrar Vasco Graça Moura que, em Várias Vozes, analisa De tarde, poema de Cesário Verde, como uma aquarela, o que pode ser comparado "a um processo cinematográfico avant la lettre, um pouco como um filme colorido cuja montagem possa ser feita pelo encaixar ou encadear sucessivo de quatro secções de estrutura semelhante, em que se parte sempre do mais para o menos, do todo que enche o campo visual para o pormenor nele contido e posto em destaque, até a transiçào final do grande plano para a mancha (de cor) pura e simples, havendo ainda a notar os contrastes de cor que se vão sucedendo e ainda que até não falta o "genérico" inicial (Moura 1987: 23)". Semelhante correspondência se estabelece com O Sentimento, que se constrói de maneira similar.

Em certo aspecto, O Sentimento apresenta uma relação de semelhança de estrutura e construção com Canção de Garoa, de Mário Quintana, que também registra o objetivo e o subjetivo numa justaposição de imagens que provocam o estranhamento pela mudança, que parece brusca, mas que encanta pela apresentação do lado oposto do tema-problema:

Canção de Garoa

Em cima do meu telhado

Pirulin lulin lulin,

Um anjo todo molhado,

Soluça no seu flautim.

O relógio vai bater:

As molas rangem sem fim.

O retrato na parede

Fica olhando para mim.

E chove sem saber por que...

E tudo foi sempre assim!

Parece que vou sofrer:

Pirulin lulin lulin... (Quintana 1990: 93)

Interessante notar que O Sentimento, um épico da modernidade, de outra forma foi observado por Cesário Verde, que sobre o poema fala em uma carta, datada de 29 de agosto de 1880, a António de Macedo Papança, Conde de Monsarás, também poeta: "Ah! Quanto eu ia indisposto contra tudo e contra todos! Uma poesia minha, recente, publicada numa folha bem impressa, limpa, comemorativa de Camões, não obteve um olhar, um sorriso, um desdém, uma observação. Ninguém escreveu, ninguém falou, nem num noticiário, nem numa conversa comigo; ninguém disse bem, ninguém disse mal!

Apenas um crítico espanhol chamava às chatezas dos seus patrícios e dos meus colegas - pérolas - e afirmava - fanfarrão! - que os meus versos "hacen malisima figura en aquellas páginas impregnadas de noble espiritu nacional". (Serrão 1957: 210-211)".

Primeira parte - Ave-Marias

Se levarmos em conta o registro de impressões, emoções e sentimentos despertados no espírito do artista, através dos sentidos, cenas, incidentes e caracteres (Proença Filho 1973: 266), a primeira estrofe de O Sentimento já nos apresenta o impressionismo literário.

Ao nível lexical, o poeta contrapõe mundo exterior (rua, anoitecer, sombras, bulício, Tejo, maresia) ao mundo exterior (soturnidade, melancolia, desejo absurdo de sofrer). É um trajeto do olhar que vê a realidade, mostra-a através das constrições expressivas (predomínio de substantivos, isto é, de nomeadores de aspectos da realidade) que se relacionam paradoxalmente com o estado de espírito do eu-poético.

Ao nivel sintático e sonoro, as repetições (fonemas n e c) sugerem a monotonia e um estado de espirito (tristeza):

NAS NOSssas ruAS, ao aNOIteCER,

HÁ TAL soturNIdade, HÁ TAL melancolia,

Que AS SOMbras, O bulíCIO, O Tejo, A maresia

Despertam um desejo abSURdo de SOfrer.

Mesmo com a presença do nós, que busca coletivizar a visão do poeta, e mesmo com despertam, que parece retirar o que há de subjetivo do panorama apresentado, surge o subjetivo, que mostra a impressão das ruas (espaço físico) em um determinado tempo (ao anoitecer x mundo interior x tempo psicológico).

Na edição de Silva Pinto (1887), o quarto verso é modificado para Despertam-me um desejo absurdo de sofrer (Serrão 1992: 149). Mesmo sem alterar o número de sílabas métricas, a inclusão do subjetivo reestabelece, se comparada à primeira versão, a oposição mundo objetivo-visto/mundo subjetivo-sentido.

Conforme Amado Alonso e Raimundo Lida que "o impressionismo oferece, não as coisas, mas as idéias das coisas e nossa atitude ante elas (Bally & Richter & Alonso & Lida 1956: 47)." O Sentimento de Cesário Verde oferece as coisas, a idéia delas e a atitude do eu-poético perante elas, o que podemos observar na estrofe acima transcrita: a rua, à noite, sombras, bulício, Tejo, maresia (as coisas), soturnidade, melancolia (impressões), desejo de sofrer (impressões, intenções, atitudes).

A segunda estrofe é construída de forma semelhante: mundo exterior (céu, gás, edifícios, chaminés, turba) X mundo interior (baixo, de neblina, enjoa-nos, perturba, cor monótona e londrina). Pinta-se o panorama geral por onde passa o olhar do poeta e as impressões que ele registra.

Também, como na primeira estrofe, caminha-se do geral para o particular:

1ª estrofe - ruas - anoitecer ----> sombras, bulício, Tejo, maresia

2ª estrofe - céu - gás ------------> edifícios, chaminés, turba, cor

"O impressionismo capta os fatos exteriores sem referi-los a causa ou efeito. Prefere as formas impessoais, as construções nominais, as sinestesias. Cada objeto na captação impressionista aparece animado de um dinamismo interno... (Castagnino 1971: 237)". A terceira estrofe parece enquadrar-se na afirmação de Raúl Castagnino: os carros batem e levam - não há relação com causa e efeito, pois os carros são conduzidos e, no seu interior, são transportadas as pessoas.

Até a terceira estrofe, também se apresenta como impressionista a concisão com que as imagens se sucedem nos dois primeiros versos, e que, de certa forma, se opõem aos dois últimos, no que se refere à estrutura lógica. O tipo de construção sugere um olhar que vê o geral e o particular e procura registrá-lo com a mesma pressa com que viu as imagens. O passageiro, o fugitivo, a impressão, tudo vai se sucedendo em tomadas de cena, ou em painéis que buscam abranger o todo. A essas imagens aliam-se as impressões que elas causam no eu-poético.

Batem os carros de aluguer, ao fundo,

Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!

Ocorrem-me em revista, exposições, países:

Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!

Nos dois primeiros versos, aparece o que está sendo visto (carros de aluguer, via férrea, pessoas) e, por uma brusca associação de idéias, que se faz pela construção de frases curtas, vêm lembranças ou outras idéias (o trem leva as pessoas para outros países).

A quarta estrofe apresenta um olhar para as construções em andamento, em comparações próprias de um poeta-pintor impressionista: os andaimes se assemelham a gaiolas ou viveiros e os mestres carpinteiros se mostram como morcegos ao fim do dia. As símiles apresentadas mostram-se como pinceladas de um pintor impressionista, que busca registrar as transformações ocorridas para o olhar para a realidade em diferentes momentos do dia. De forma semelhante, Claude Monet registra o fumo do comboio em La Gare Saint-Lazare e a modificação da luz e a "instantaneidade" na "série sistemática" de pinturas de La Cathédrale de Rouen.

A presença do operário urbano, o calafate (5ª estrofe) na volta do trabalho transmite ao eu-póetico outra impressão. O espaço geral (cidade) se une ao particular (coisas ou pessoas) e leva paradoxalmente a uma atitude ante as coisas: ao ver os calafates, o eu-poético se embrenha por boqueirões, becos ou cais. Parece-nos necessário retomar a análise de Philadelpho Meneses, com referência a Poe, e associá-la a Cesário Verde, que sofreu influência de Baudelaire, que foi influenciado por Poe: "Em vários momentos de sua obra, como notam críticos de diversos matizes, Poe inaugura processos artísticos da nossa modernidade. O uso elaborado de combinações sonoras e construções por reverberação aliterativa que só fazem acentuar o papel determinante da forma, o destaque à materialidade da linguagem e a concepção de trás-prá-frente, às avessas (Meneses 1994: 50)".

Guardadas as necessárias proporções, a reverberação aliterativa (ca e seus derivados) vai conduzindo o eu-poético para as crônicas: calafates, jaquetão, secos, boqueirões, becos, cais, atracam. E esse percurso parece mostrar que, ao entrar por por espaços particulares (boqueirões, becos, cais), volta-se para o mundo interior, que se transforma num tempo histórico, de memória (6ª estrofe):

E evoco, então, as crónicas navais:

Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado!

Luta Camões no Sul, salvando um livro, a nado!

Singram soberbas naus que eu não verei jamais!

De forma semelhante, o poeta adentra a história a partir da observação de duas igrejas (parte II, estrofe 4), isto é, o olhar para o presente lhe traz a impressão do passado. De forma semelhante, Cesário Verde relê Monet na "série sistemática" da Catedral de Rouen, não vendo, contudo, os diferentes matizes da luz

Duas igrejas, num saudoso largo,

Lançam a nódoa negra e fúnebre do clero:

Nelas esfumo um ermo inquisidor severo,

Assim que pela história eu me aventuro e alargo.

Na 7ª estrofe, há um rápido olhar para o rio e para a terra, juntamente com uma referência ao tempo, estabelecendo uma alegoria:

E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!

De um couraçado inglês vogam os escaleres;

E em terra num tinir de louças e talheres

Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda.

A presença de sinestesias permite um olhar impressionista que procura abarcar o todo: fim da tarde, couraçado e escaleres (aspecto visual - rio), tinir de louças e talheres (aspecto sonoro - terra), flamejam, hotéis (aspecto visual - terra), tudo isso aliado à inquietação do eu-poético (inspira-me, incomoda).

Igual procedimento se faz na 8ª estrofe, em que o olhar tenta abarcar a realidade em dois versos enxutos: posturas semelhantes se repetem em espaços diferentes:

Num trem de praça arengam dois dentistas:

Um trôpego arlequim braceja numas andas;

Os querubins do lar flutuam nas varandas;

Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas!

Vários espaços (trem de praça = bonde, rua = andas; varandas, portas de loja) configuram atitudes semelhantes de pessoas (dentistas, arlequim, querubins do lar, lojistas) num conglomerado ilógico de situações e metáforas: trôpego arlequim (pessoa que anda com alguma dificuldade, de aspecto histriônico), querubins do lar (pessoas que se parecem com anjos que se encontram suspensos pelos tetos das varandas, à semelhança de lustres). Há uma identificação indiscriminada entre coisas e pessoas, criando uma relação singular, aspecto que assim se define para Roman Jákobson: "Em poesia, onde a similaridade se superpõe à contiguidade, toda metonímia é ligeiramente metafórica e toda metáfora tem um matiz metonímico." (Jakobson 1975: 149).

Da 9ª para a 11ª estrofe, os espaços passam a ser os arsenais, as oficinas e o rio, nos quais surgem as imagens das obreiras, das varinas e dos filhos das trabalhadoras. Ocorre a reificação ou animalização das pessoas, estabelecendo uma equação singular: cardume negro = varinas, troncos varonis = pilastras. Igual aproximação se faz nos versos

E algumas, à cabeça, embalam nas canastras

Os filhos que depois naufragam nas tormentas.

A relação metafórica produzida nas três estrofes nos mostra uma linguagem poética que Roman Jakobson assim denominou: "Em poesia, não apenas a sequência fonológica, mas, de igual maneira, qualquer sequência de unidades semânticas, tende a construir uma equação. A similaridade superposta à contiguidade comunica à poesia sua radical essência simbólica, multíplice, polissêmica (Jakobson 1975: 149)". Para as estrofes em estudo, as sequências nos transmitem as mais diferentes impressões de uma realidade mediada por signos.

Segunda parte - Noite fechada

A primeira estrofe da segunda parte mantém, na relação entre espaço e tempo, as impressões construídas por meio de imagens desconexas em pares de versos, como ocorreu ao longo da quase totalidade de estrofes da primeira parte. É o que se observa na relação metafórica entre grades, cadeias e aljube com velhinhas, crianças e mulher de "dom", ligando a estrofe por meio de sequências fonéticas e semânticas que produzem uma equação:

Toca-se às grades, nas cadeias. Som

Que mortifica e deixa umas loucuras mansas!

O aljube, em que hoje estão velhinhas e crianças,

Bem raramente encerra uma mulher de "dom"!

A segunda estrofe se apresenta numa relação invertida: mundo subjetivo (primeiro, parte do segundo e terceiro versos) que se contrapõe ao mundo objetivo (parte do segundo e terceiro versos). O acender das luzes, que deveria significar um estado de espírito positivo, revela-se ao contrário ao eu-poético.

Num registro impressionista da realidade, a terceira estrofe se configura numa comparação e na utilização de cores: andares, tascas, cafés, tendas e estancos - elementos da realidade que a palavra-pincel registra como variação da cor no momento da observação (Alastram em lençol os seus reflexos brancos), que se relaciona com A lua lembra o circo e os jogos malabares.

A relação eu e realidade (construções, subidas, sinos) pode ser lida de duas maneiras, principalmente pelo fato de que muram-me (2º verso da quarta estrofe) refere-se à edição de Silva Pinto, enquanto que muram-se é grafia da primeira versão. Uma inclusão subjetiva na descrição objetiva pode ser observada na primeira grafia, enquanto que a segunda revela um contraste, principalmente a partir de Afrontam-me, em que as construções (as duas igrejas) estabelecem uma equação metafórica do tipo construções - subidas - sinos.

O constraste entre passado e presente se faz de outra maneira na 5ª estrofe: o recinto público e vulgar evoca a história e o respeito de Um épico doutrora. Torna-se um olhar para a cidade que mostra contrastivamente o popular e o culto, o presente e a história.

Nas 6ª, 7ª e 8ª estrofes, o eu-poético mergulha no passado, também na construção em pares de versos, realizando, em linguagem poética, um percurso histórico.

De forma semelhante à da 2ª estrofe, predomina o mundo subjetivo, a impressão da cidade à luz dos lampiões à gás. É na 9ª estrofe que se percebe uma espécie de hino à cidade de Lisboa, especialmente pela presença de avives (tu) e tuas elegantes.

Enquanto que, na 10º estrofe, há uma referência às costureiras e às floristas e seus pescoços altos no seu trabalho nos magazines, a 11ª estrofe é uma espécie de síntese do olhar impressionista de Cesário Verde:

E eu, de luneta de uma lente só,

Eu acho sempre assunto a quadros revoltados;

Entro na brasserie; às mesas de emigrados

Joga-se, alegrememente e ao gás, o dominó!

Os dois primeiros versos, aliando som e sentido, confirmam a solidão do flâneur, que olha o movimento da cidade e sente-se só:

E EU, dE lUneta dE Uma lente SÓ,

Convém observar que Joga-se, alegremente e ao gás, o dominó! (4º verso, na primeira versão) transforma-se em Ao riso e à crua luz joga-se o dominó (edição de Silva Pinto). Num mesmo número de sílabas métricas, a primeira versão mostra-se mais eficaz, porque apresenta o elemento que diferencia a visão da Lisboa no "passeio" de Cesário Verde (o gás, metonímia de lampião, que se refere à luz e ao cheiro que incomoda), pois traz um elemento de modernidade, que altera a observação das coisas.

Terceira parte - Ao Gás

Na terceira parte, há um outro tipo de impressionismo, que se mostra também linguístico, embora, de um modo geral, a técnica da pintura impressionista dirija o olhar para as nuances da realidade vista sob luzes diferentes, registrando, através da linguagem poética, aquilo que os impressionistas procuraram registrar através da cor, das manchas e da ausência de contornos. Podemos afirmar que não há "contornos" nas frases que compõem O Sentimento. A realidade vem multifacetada, em fragmentos que são construídos através de frases curtas, bruscas, capazes de quebrar a sequência lógica de um encadeamento de frases que procuram mostrar o que está sendo visto.

A visão já pela noite adentro, no momento em que sai da brasserie (cervejaria) - assim se configura a terceira parte. A dedicação ao gás entrevê o tipo de olhar que vai acompanhar o eu-poético. O que há de moderno, e que lhe permite um espantar-se ante a cidade, é o lampião de gás, inovação na metrópole.

O fragmento de verso A noite pesa, esmaga (1ª estrofe) nos mostra uma impressionismo que não leva em consideração causa e efeito. Os elementos da realidade (passeios de lajedo, impuras, hospitais, sopro das embocaduras) se confunde em equações metafóricas que transmitem a sensação de um olhar fragmentado e rápido, isto é, impressionista.

Cercam-me as lojas, tépidas mostra outra frase-pincelada impressionista, sem relação de causa e efeito. Em Eu penso ver (2ª estrofe) e E lembram-me (3ª estrofe), aparece o passado que as luzes das lojas lhe sugerem. É uma captação do passado no presente, através da associação de imagens (catedral de um comprimento imenso - lojas que se apresentam ao longo das ruas. O mergulho no passado se faz através de uma procissão.

O registro de cinestesias faz parte da quarta estrofe: o cutileiro e a cor rubra do metal em brasa (rubramente) e o odor da padaria, numa construção linguística singular: Um cheiro salutar e honesto à pão no forno, que bem pode ser classificado como uma constrição expressiva significativa.

A função metalinguística domina os dois primeiros da quarta estrofe:

E eu que medito um livro que exacerbe,

Quisera que o real e a análise mo dessem;

Através de uma construção regular e equilibrada de versos e estrofes, na busca de uma síntese das várias nuances da realidade que circunda o olhar do eu-poético, esses dois versos se relacionam com a maior parte da quinta estrofe:

.......................... Não poder pintar

Com versos magistrais, salubres e sinceros,

A esguia difusão dos vossos reverberos,

E a vossa palidez romântica e lunar!

A incapacidade de reportar-se ao passado, ou o escapismo para um tempo anterior, mais resultado de memória do que evocação, eis como se configura o olhar do poeta-pintor à procura dos reverberos da sua musa-cidade, solenemente tratada por vós.

Nas sétima e oitava estrofes, a presença de duas mulheres e uns cães relacionam-se com uma visão impressionista que se apresenta na nova estrofe:

Desdobram-se tecidos estrangeiros;

Plantas ornamentais secam nos mostradores;

Flocos de pós de arroz pairam sufocadores,

E em nuvens de cetins requebram-se os caixeiros.

Se observarmos pela relação som e sentido, todas as coisas se desdobram: plantas, tecidos, flocos de pós de arroz e caixeiros. A relação tecidos-plantas-nuvens de cetins produz um movimento de uma loja através de um olhar sinestésico: desdobram-se tecidos (tacto e visão), plantas (visão), flocos de pós de arroz (odor e tato).

A décima estrofe registra o cessar dos movimentos das ruas. E a décima primeira, numa constrição expressiva, uma nova figura evocadora:

"Dó da miséria!... Compaixão de mim!..."

E, nas esquinas, calvo, eterno, sem repouso,

Pede-me sempre esmola um homenzinho idoso,

Meu velho professor nas aulas de latim!

A figura do mendigo que pede sempre esmola traz à lembrança um elemento do passado, através da construção de uma linguagem poética que usa a constrição expressiva para melhor sintetizar as metáforas singulares.

Quarta Parte - Horas Mortas

A quarta parte se apresenta como uma conclusão do olhar do eu-poético, no momento em que ele olha para si mesmo, conforme se evidencia na primeira estrofe:

O tecto fundo de oxigénio, de ar,

Estende-se ao comprido, ao meio das trapeiras;

Vêm lágrimas de luz dos astros com olheiras,

Enleva-me a quimera azul de transmigrar.

Os poucos elementos da realidade que lhe despertam sensações (trapeiras, portões, arruamento, lajes, taipais, fechaduras e caleche), tanto na primeira como na segunda estrofe, determinam uma evocação intimista (terceira estrofe):

E eu sigo, como as linhas de uma pauta

A dupla correnteza augusta das fachadas;

Pois sobem, no silêncio, infaustas e trinadas,

As notas pastoris de uma longínqua flauta.

A vontade de não morrer, o desejo de casar-se, os futuros filhos, o destino da raça ruiva do porvir (quarta e quinta estrofes) pelas vastidões aquáticas, ou, de maneira oposta, a vivência como emparedados - tudo isso se mostra como uma utopia que tomou conta do eu-poético e que é resultado do quarto olhar para a cidade. A referência a nebulosos corredores e a ventres das tabernas traz-lhe os roubos, os cães e os guardas (da oitava a décima estrofes).

A última estrofe da última parte, mostra, de certa forma, a construção do poema por fragmentos da realidade, numa visão que se assemelha a um atomismo:

E, enorme, nesta massa irregular

De prédios sepulcrais, com dimensões de montes,

A Dor humana busca os amplos horizontes,

E tem marés, de fel, como um sinistro mar!

O poema como um todo - As estrofes de quatro versos se montam em quatro partes de onze estrofes. A regularidade numérica segue a construção do poema. Na constante relação realidade (dois primeiros versos) X mundo interior (dois últimos versos) se configura a primeira parte. É o olhar para as coisas e a sua atitude ante elas. Na segunda parte, essa relação se descontrói, enquanto que, na terceira parte, o elemento modernista transfigura a visão do eu-poético e fá-lo voltar a si mesmo (quarta parte).

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Jorge Luiz António

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