José Antunes Marmelo e Silva nasceu a 7 de Maio de 1911 em Paul, Beira Baixa. Estudou no Seminário do Fundão e em escolas secundárias de Covilhã e de Castelo Branco. Frequentou a Universidade de Coimbra mas, devido à publicação de Sedução, teve de concluir a licenciatura (em Filologia Clássica) na Faculdade de Letras de Lisboa onde apresentou uma tese sobre Virgílio Um sonho de paz bimilenário: a poesia de Virgílio. Colaborou no semanário lisboeta O Diabo, com o pseudónimo Eduardo Moreno, e n revista presença, de Coimbra, cidade em que conviveu com o grupo neo-realista. Prestou serviço militar em Mafra e na Madeira. Fixou residência em Espinho (onde leccionou na Escola Secundária) até à data da sua morte, em 11 de Outubro de 1991. Foi agraciado, em 1987, com a medalha de ouro da cidade de Espinho. Com o grau de Comendador da Ordem de Mérito, foi condecorado pelo então Presidente da República, Dr. Mário Soares, em 1988.
Outras ligações sobre o autor:
OBRAS:
O Homem que Abjurou a Sociedade Crónicas do Amor e do Tempo, O Raio, 1932 (Renegado).
Sedução, 1ª edição, Coimbra, Livraria Portugália, 1937; 2ª edição, Porto, Portugália, 1948; 3ª edição, Lisboa, Estúdios Cor, 1960; 4ª edição, Lisboa, Editora Ulisseia, 1972, ("com um ensaio histórico-analítico "de Arnaldo Saraiva); 5ª edição, Lisboa, Editorial Caminho, 1989 (com um ensaio de Arnaldo Saraiva publicado a primeira vez na 4ª edição).
Depoimento, 1ª edição, "Presença", nº. 1, série II, Novembro de 1939; 2ª edição, in Os Melhores Contos Portugueses, Porto, Portugália; 3ªedição, in O Sonho e a Aventura, Coimbra, Atlântida, 1943; 4ª Edição, Lisboa, Col. Mosaico, s.d. 5ª edição, in Os Mais Belos Contos de Amor da Literatura Portuguesa, 1967
O Sonho e a Aventura, 1ª edição, Coimbra, Atlântida, 1943, (contos Narrativa Bárbara, Depoimento, O Conto de João Baião); 2ª edição, Lisboa, Editora Ulisseia, 1965, (contos Narrativa Bárbara, Depoimento, Ladrão!)
Adolescente, 1ª edição, Coimbra, Portugália, 1948; Adolescente Agrilhoado 2º. Edição (acrescentada), Lisboa, Arcádia 1958; 3ª edição, Lisboa, Editora Ulisseia, 1967; 4ª edição, Lisboa, Editorial Caminho, 1986, (com prefácio de Maria Alzira Seixo) retirada do mercado; 4ª/5ª edição, Lisboa , Editorial Caminho, 1986.
O Ser e o Ter seguido de Anquilose, Lisboa, Editorial Ulisseia, 1968 (a primeira versão de O Ser e o Ter é O Conto de João Baião).
O Ser e o Ter, Lisboa, Editora Ulisseia, 1973
Anquilose, Lisboa, Editora Ulisseia, 1971
Desnudez Uivante, Porto, Limiar, 1983
PROGRAMAS NA RTP SOBRE JOSÉ MARMELO E SILVA:
"O Livro à Procura do Leitor", de Manuel Poppe, 22 de Fevereiro de 1972; "A Ideia e a Imagem", de Álvaro Manuel Machado, 27 de Junho de 1978; "O Homem é um Mundo", texto de Rogério Rodrigues, realização de Leonel Brito.
JOSÉ MARMELO E SILVA O LIBERTADOR DO AMOR
Urbano Tavares Rodrigues
Com o mesmo projecto político dos escritores neo-realistas, que inicialmente acompanhou, José Marmelo e Silva foi, entre eles, desde Sedução, novela publicada no final dos anos trinta, uma irrefreável afirmação de subjectividade. É a força do desejo, filtrada pelas palavras, a par da observação aguda e inclemente do meio, que lhe permite estruturar personagens que ainda hoje comunicam com o leitor e nele se concretizam, se prolongam.
O gineceu conimbricence transposto para a aldeia vibra de uma sensualidade reprimida, que se atraiçoa na atmosfera hipócrita do apogeu fascista, o início da Guerra de Espanha. Eduardo é o jovem fauno castrado pelo irmão, sôfrego do prazer que à sua volta, rodeado de mulheres, não encontra.
E novamente o desejo, a tentação, o despertar do desejo, palpita nas páginas tão belas de Adolescente Agrilhoado, o grande, o insuportável romance da adolescência da década de quarenta em Portugal, obra sensível onde se nos mostra já com um certo toque mágico e mítico, o mundo áspero dos pobres e o seu trabalho, as suas superstições, febres, amarguras do crescer no seio da família e do microcosmo rural. Os caminhos que se abrem e se fecham para um jovem intelectual de origem camponesa.
A libertação do sexo processa-se na narrativa que paradoxalmente se chama Anquilose e que é de explosão, irónico, cáustico e ao mesmo tempo triunfal, um texto que nos dá conta de amores vários, vividos em euforia, em exaltação juvenil, e que se torna sátira social e política e seria mesmo panfleto revolucionário se o humor permanente, ao nível do acontecer e ao nível da escrita, não corrigisse o entusiasmo, a vibração com que por vezes os ideais socialistas neles se expressam.
O Ser e o Ter, O Sonho e a Aventura, Desnudez Uivante, onde o hiper-realismo quase toca o fantástico, são noutros cenários, noutros tempos, exemplos do mesmo acto de escrever, do mesmo cântico à via, ao amor e à esperança.
In Letras & Letras, 5/3/89
O SAGRADO E O CÓSMICO
Baptista-Bastos
Sedução tem meio século. Releio (quantas vezes reli?) essa ficção pausada e lenta, terna e amena, áspera e dilacerante que José Marmelo e Silva redigiu (compôs), e que deixou de lhe pertencer em sistema de exclusividade porque faz parte do território colectivo (selectivo) onde se ordenam as grandes obras-primas da literatura portuguesa de sempre.
Obra-prima, repito. Porque convida a aprender a universalidade da alegoria, para além da diversidade das alegorias. Porque é a obra de um autor; e um autor é sempre alguém que possui uma voz própria, inimitável, que não deixa discípulos e só lega situações epigonais; porque tange em sentimentos e situações extremas conservando um intenso respeito e uma profunda discrição; porque a estrutura verbal de que se serve teria de ser, necessariamente, aquela nunca outra.
A obra deste escritor discreto, relator ficto do corpo, o corpo entendido como liberdade ou como experiência do sagrado obra deste escritor maior possui algo de religioso, de valores e de implicações cósmicas, e nela avulta esse profunda relação causal entre a matriz e o crescimento, entre amor e morte, entre Eros e Thanatos. As analogias existentes entre o acto de escrever e a humilde coragem de publicar reverte -nos para a exploração (para a interpretação e para a leitura) de que a obra-de-arte (esta obra-de-arte) pretende a incorporação no divino. Nada, em Sedução; nada em O Adolescente Agrilhoado, por exemplo, nos pode levar a afirmar que o seu autor acredita em seres antropomórficos, em deuses. Mas tudo nos leva a crer que José Marmelo e Silva admite o território do sagrado, as áreas do mito, os distritos onde se antagonizam céu e inferno. Todavia, mesmo aí, José Marmelo e Silva manifesta um reiterado pudor. O pudor que implica a rejeição da linguagem denotativa, afirmativa, exclamativa e peremptória. O sentido transitório da existência conduz-nos à reflexão sobre a transcendência. Se, como pretendia Artaud, quando se escreve refazemo-nos, para nos desfazer, José Marmelo e Silva escreve para atingir a consciência do infinito, do absoluto metas privilegiadas de todo o grande autor.
Respeito, amo e admiro as novelas deste homem singular, até pela singularidade (raríssima entre nós) do seu propósito e do seu majestoso empreendimento literário. Um grande escritor, como José Marmelo e Silva, não é medível. Pode, talvez, ser mensurável, através da sua própria desmesura. E como nele não há excesso (excesso de palavras, excesso na composição, excesso nesse equilíbrio entre o antigo e o moderno) eis porque, sem estratégias de glória, sem tácticas imediatas, e precárias porque efémeras, de marquetingue eis porque é um clássico e, a um tempo, um contemporâneo.
In O Diário, 23/5/87
REFERÊNCIAS CRÍTICAS À OBRA DE JOSÉ MARMELO E SILVA
Sedução decorre num ambiente misto de realidade fortemente expressa em dedadas brutais que desnudam, e de irrealidade, daquela irrealidade com que se oferece o desenvolvimento de certas obsessões que parecem aspirar toda a demais experiência, fazê-la participar da obsessão. E há depois o originalíssimo estilo em que uma constante ironia impede, corta, destrói as insinuações sentimentais. A conjunção destas qualidades dá à novela um sabor muito original e uma densidade que é precisamente o mais invulgar em novelas portuguesas, que pecam, quase sempre, por uma unilateralidade, por uma pobreza de meios de expressão, que não são do que menos contribui para a falta de interesse que despertam.
Adolfo Casais Monteiro
Se Fialho de Almeida era erótico, era-o entes de mais em função da avalancha verbal, que o impedia de uma visão social lúcida. Se Teixeira Gomes era erótico, o seu erotismo ficou empequenecido pelo rigor miniatural da sua prosa, que se compraz no apontamento mundano, na fantasia memorialística. Já Marmelo e Silva, com ser erótico, é fundamentalmente socialista e as personagens das suas novelas, nomeadamente de Sedução, desdobram-se em todas as dimensões humanas, nascidas de um estilo terso e inconsútil, sempre dominado.
Álvaro Manuel Machado
Wilhelm Reich, que criou a célebre associação S.E.X.P.O.L em 1939, dois anos depois da publicação de Sedução, teria sem dúvida gostado de ler esta novela de Marmelo e Silva. E se nos fins da década de trinta surgiu em Portugal um movimento literário neo-realista, e se esse movimento quis levar conscientemente, expressamente, a literatura para fora dela mesma, então teremos que considerar Sedução como a primeira obra autêntica ( e de qualidade) incorporável nesse movimento. Justamente por aquilo que terá levado alguns a excluí-la (para lá, bem entendido, das batalhas pela camisola amarela): a descrição (e subtileza) com que a realidade social nela é nomeada, que é também garantia da força anti-demagógica com que ela é sugerida, e desvelada nas suas máscaras psicológicas e sexuais.
Arnaldo Saraiva
Ainda hoje, não obstante todos os anos decorridos, Sedução continua a ser um livro de combate, um livro indisciplinador. Não pela escabrosidade do tema aliás tratado com uma delicadeza e uma finura inexcedíveis, quando tão fácil (e tão comercial...) era ceder à tentação do obsceno -, mas pelo carácter insólito da análise, que progride por pequenas deslocações laterais, por iluminação de planos sucessivos, e não, como é corrente, por um mergulho vertical, pela sobrecarga de minúcias psicológicas que, habitualmente, fazem da personagem literária um monstro, inviável fora das páginas do livro. E o estilo? O maior bem que dele se pode dizer é que outro não serviria melhor o Autor. Ao mesmo tempo usual e castigada, a sua linguagem parece ter sido decantada de maneira algo bizarra: aceitando muito do que se exclui, excluindo muito do que se aceita, o resultado final é um estilo que não tem similar em Portugal.
José Saramago
Não é assim por acaso, mas a poder de mestria, contenção, alternância de planos, insurreição e recriação mítica, identificação do tema com a experiência, integração do saber herdado no plano temporal duma estética em devir, adequação da obra criada nos limites intuídos e consciencializados do autor, que Adolescente Agrilhoado é não só uma das obras-primas da nossa literatura, mas o mais belo romance da adolescência que até agora se escreveu entre nós.
Mário Sacramento
O autor de Sedução, O Sonho e a Aventura e Adolescente Agrilhoado é um ímpar na corrente neo-realista, pois representa o pólo (ou o contaste) psicologista da mesma, ou seja, pôs o acento tónico na reacção individual às estruturas sociais mais do que levantou o inventário "objectivo "das mesmas. Essa singularidade aumenta o seu valor histórico, se bem que terá determinado um conflito latente, oculto, entre Marmelo e Silva e a sua geração.
Também pelo cuidado, o entusiasmo, com que trabalhou a prosa, afeiçoando-a ao intimismo que tomou por objectivo detectar, Marmelo e Silva se distinguiu com vantagem da maioria dos escritores da sua geração, sendo daqueles ao lado de um Manuel da Fonseca e um Carlos de Oliveira que mais se preocupam com a qualidade da escrita.
Nuno Teixeira Neves
Verdadeiro esteta, não se embriaga contudo com o maravilhoso das palavras. Por detrás de cada frase está presente o escritor lúcido, o homem atento ao mundo que o rodeia, o contador excelente de histórias sabendo perfeitamente a grandeza e a função daquilo que se conta. E isto torna, talvez, José Marmelo e Silva um escritor ímpar entre nós. Não conheço, com efeito, quem tenha sabido unir de forma tão perfeita o estilo e a temática.
Liberto Cruz