OSSADAS VIVAS
(excertos)

ESTRADA FORA

I

Estrada fora...
linhas curvas,
linhas rectas,
linhas curvas e rectas,
linhas que não são curvas,
nem rectas,
bermas de estrada gasta,
pinheiros ao alto,
muros ao comprido,
outeiros, covas, vales...


II

Estrada fora...
cores claras,
cores escuras,
cores claras e escuras,
cores que não são claras
nem escuras,
saibro, paredes, roupas,
terrras, ervas, mato.
folhas , troncos, choças,
homens, animais, bichos...


III

Estrada fora...
sons agudos,
sons graves,
sons agudos e graves,
sons que não são agudos,
nem graves,
mulheres que chamam pelos filhos,
homens que tocam os bois,
passarada pelos ares,
crianças semi-nuas...


IV

Estrada fora...
luzes fortes,
luzes brandas,
luzes fortes e brandas,
luzes que não são fortes,
nem brandas,
sol,
lua,
raios através das nuvens,
candeeiros e candeias...



V

Estrada fora...
cheiros bons,
cheiros maus,
cheiros bons e maus,
cheiros que não são bons,
nem maus,
flores, frutos, fritos,
esterco, fossas, charcos,
seios, sexos, braços,
cozinhas, quartos, escolas....


VI

Estrada fora...
coisas vivas,
coisas mortas,
coisas vivas e mortas,
coisas que não são vivas,
nem mortas,
trigo, milho, centeio,
amor, alegria, esperança,
costumes, usos, preconceitos,
homens, mulheres, crianças.


© Joaquim Matos, Ossadas Vivas, Porto, 1970

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