ONDAS CURTAS E LONGAS
(excertos)
«Ó tu, geração daquele insano»
Camões, Lus. IV, 98
ONDAS CURTAS
1
Trazei-me
uma certeza
e só mais nada
que eu tenha
aqui
no meu degredo
para que possa
ao longo
desta estrada
ir caminhando
de faca
para o medo
2
Quando abracei a pátria nas palavras
e confundi a terra com o sangue
lançando ao vento a letra da canção
certo fiquei de nela ver gravada
a estrada da nossa dimensão.
3
Abraço as ondas onde ando mergulhado
bebendo o sal que trago no poema
formigam ventos em dedos apontados
e vou a eles feito teorema.
4
e eles partem
com o regresso nas palavras
sepultados em comboios
trucidando lares
5
Uma certeza:
nem morrendo
morreremos
voltados para o passado.
Recompensa maior
que viver
dominado.
6
O meu tempo
não é
o dessa voz
onde apanhado
fui na minha estrada.
7
Escorpiões
recheiam meus sentidos
grossas mandíbulas
aferram-me por dentro
no espaço vão
gemidos reprimidos
que esperam só
no tempo em gestação
8
Trazem cortinas nos gestos
nos olhos e nas palavras
tecidas nos seus sequestros
afiados como espadas
© Joaquim Matos, Ondas Curtas e Longas, Porto,
1971
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