Almeida Garrett

OUTROS POEMAS DE ALMEIDA GARRETT

MAGRIÇO E OS DOZE DE INGLATERRA

(FRAGMENTO)

Eu no entrar da singela juventude,
Sem conhecer os homens, fui sincero.
Ardente coração, paixões fogosas,
Alma franca, de impulso me levaram
Aos países do cego entusiasmo.
Por lá cantei de amor pureza e mimos,
Doçuras de amizade, enlevos de alma.
Heroísmo, glória, liberdade e amores,
À porfia na lira me soaram;
E na alteza do espírito sublime
Só vi nos homens a verdade e a honra.
Experiência fatal; tu me roubaste
A tão doce ilusão, em que eu vivia!
Bordado véu de lisonjeiro engano
Rasgou-mo de ante os olhos embaídos
Coa descarnada mão seca verdade.
Tal como ele é vi o homem! Aos meus olhos
De vergonha e de dó vieram lágrimas.
Chorei; – tão louco fui! Só gargalhadas
As loucuras do mundo nos merecem.

E assim foi que, atentando mais de perto,
Vi tanta asneira, vi tanta sandice,
Que desatei a rir, por fim, de tudo,
De Heraclito chorão deixei a escola,
E alegre sigo o pachorrão Demócrito.
Quero rir com Diógenes, com ele
No cínico tonel entrincheirar-me
Contra as sandices deste parvo mundo.



CAMÕES NÁUFRAGO

Cedendo à fúria de Neptuno irado
Soçobra a nau que o grão tesouro encerra;
Luta coa morte na espumosa serra
O divino cantor do Gama ousado.

Ai do Canto mimoso a Lísia dado!...
Camões, grande Camões, embalde a terra
Teu braço forte, nadador aferra
Se o Canto lá ficou no mar salgado.

Chorai, Lusos, chorai! Tu morre, ó Gama,
Foi-se a tua glória... Não; lá vai rompendo
Coa dextra o mar, na sestra a lusa fama.

Eterno, eterno ficará vivendo:
E a torpe inveja, que inda agora brama,
No abismo cairá do Averno horrendo.

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