Projecto Vercial

Fernão Álvares do Oriente


Da vida de Fernão Álvares do Oriente (c. 1540 – c.1600) pouco ou nada se sabe. É provável que tenha nascido em Goa (o que se pode inferir da biografia da personagem Olívio/Felício, seu criptónimo, na Lusitânia Transformada), mas a hipótese de ter nascido em Portugal não pode ser desprezada sem exame crítico. Ao certo, sabe-se que no final de Dezembro de 1572, quando era Vice-Rei da D. António de Noronha, foi como capitão de uma fusta (de entre setenta e seis) em socorro da fortaleza de Damão, que, governada por D. Luís de Almeida, então se encontrava ameaçada pelos Mogores; pouco depois de Setembro de 1573, sendo António Moniz Barreto Governador da Índia, Fernão Álvares do Oriente era capitão de uma das dezassete fustas que, sob o comando de Fernão Teles, partiram para a Costa Norte; em alvará de 25 de Setembro de 1577, D. Sebastião faz saber que se Fernão Álvares do Oriente, cavaleiro fidalgo de sua casa, falecer antes de poder fazer duas viagens da China para Sunda, como lhe fizera mercê, as poderia fazer outra pessoa nomeada por ele, Fernão Álvares do Oriente; noutro alvará de 15 de Março de 1587, Filipe II faz saber que Fernão Álvares do Oriente, agora cavaleiro de sua casa e capitão de navio da sua armada, pelos serviços que lhe prestara não só nas partes da Índia, como também no Reino, e por ter acompanhado D. Sebastião a Alcácer Quibir, onde comandara uma companhia de soldados e ficara cativo, receberia a mercê de duas viagens ao Coromandel; é provável que um Fernão Álvares, que, em 1587 ainda, se distinguiu na defesa da fortaleza de Colombo, no Ceilão, seja Fernão Álvares do Oriente; em carta de Filipe II ao Vice-Rei da Índia Matias de Albuquerque, datada de 25 de Janeiro de 1591, refere o Rei que foi informado de que Fernão Álvares do Oriente, chegado havia pouco à Índia, lá começara a divulgar novas prejudiciais ao Reino e ao Rei, pelo que devia ser mandado regressar de imediato; já é menos provável que este documento histórico diga respeito a Fernão Álvares do Oriente: em carta de 3 de Março de 1600, Filipe III, em paga de serviços que um Fernão Álvares lhe prestara por doze anos nas armadas e fortalezas da Índia, fá-lo escrivão do galeão da carreira de Maluco por duas viagens, devendo, para a mercê ter efeito, partir no próprio ano. É tudo o que da vida de Fernão Álvares do Oriente se sabe, actualmente. Escreveu, tanto quanto se sabe, uma única obra, o primeiro romance português verdadeiramente moderno (na matéria da expressão, no conteúdo e nas técnicas narrativas), a Lusitânia Transformada, texto de género pastoril em prosa e verso, publicado a título póstumo em 1607. Trata-se de uma obra de imaginário messiânico sobre a decadência do Portugal no final de Quinhentos e sobre a superação transcendente dessa decadência, que nos ajuda a compreender o processo histórico e metafísico que antecedeu e que se seguiu à perda da Independência Nacional, em 1580. Distingue-se, ainda, a Lusitânia Transformada, pelo rico e interessante diálogo literário, cultural e histórico que estabelece com Os Lusíadas e pela exaltação da figura de Camões, que é, aliás, uma das personagens da obra, que teve mais duas edições, uma em 1791 e outra em 1985.

Outras páginas sobre Fernão Álvares do Oriente:

  • Labirinto


    SONETOS


    Deixando o eterno bem, na fúria brava
    Do mar, que venerei, punha o descanso,
    Abatido ao temor, em vão remanso
    Tentando meus perigos abraçava..

    Enjeitado o prazer, que não buscava
    Busquei no amor os bens, que não alcanço,
    E assim rendido da fortuna ao lanço
    Sacrílegos altares adorava.

    Fugi de mim, buscando a Glaura, cujo
    Estandarte segui. Mas do perigo
    Já livre, o bem que a vida me restaura.

    Venero, abraço, busco, adoro, e sigo,
    E deixo, abato, enjeito, rendo, e fujo
    O mar, o medo, o amor, fortuna, e Glaura.




    Tão alto me alevanta a fantasia
    Ajudada a esperança do desejo,
    Que a vista perco já, donde me vejo,
    Daquele estado vil, em que me via

    Mas pretende da inveja a vã porfia
    A luz escurecer, por que me rejo,
    E derribar com seu rigor sobejo
    De tão alto lugar minha ousadia.

    Mas vós, senhora, pois que meu cuidado
    Está seguro em vós, com segurança
    Lhe deveis sustentar seu alto assento

    E se haveis, que merece castigado:
    A pena é minha, e a culpa da esperança
    Que as asas empenou ao pensamento.




    Gastando se me vai de lanço a lanço
    A vida, que á mor pressa vai correndo.
    O tempo em variedades mil despendo
    ‘Té que à vida m'outorgue o Céu remanso.

    Trabalho, quanto posso, mas alcanço
    O contrário daquilo, que pretendo:
    Qu'então me foi descanso falecendo,
    Quando cuidei, que tinha mais descanso.

    Vendo-me pois assim tão peregrina,
    Metida no sertão destes enleios
    Incerta entrego as rédeas à ventura

    Qu'outro cuidado, que alma ao Céu m'inclina,
    De novo me propõe por vários meios
    A quanto se dispõe, quem se aventura.


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