José Leon Machado

Literatura


JARDIM SEM MURO

de José Leon Machado

Jardim sem Muro é uma colectânea de dezanove contos. As personagens baseiam-se nalguns dos tipos da sociedade portuguesa actual, aparecendo vendedores de automóveis em segunda mão, comerciantes de tintas e vernizes, empreiteiros, serralheiros, canalizadores, carpinteiros, electricistas, professores do ensino secundário, funcionários das Finanças, estudantes de Psicologia, reformados, emigrantes, agentes de segurança, viciados na Internet, coleccionadores de selos e moedas, especialistas em ciências ocultas, frequentadores de casas de alterne e respectivas funcionárias. Os políticos, por evidente falta de utilidade na sociedade, são das poucas figuras com que o autor não perdeu tempo nem gastou papel. Os contos, escritos num tom divertido, deixam transparecer o sorriso sarcástico de Eça de Queirós e o piscar de olho malandro de David Lodge. Transcreve-se uma passagem:

«Os manuais de jardinagem explicavam que um jardim sem muro era mais propenso ao ataque das ervas daninhas. Com um muro alto, era mais difícil as sementes disseminarem-se pela ação do vento. Por outro lado, a sombra do muro impedia a proliferação dessas ervas que, por serem endémicas, preferiam o sol. Havia espécies de plantas ornamentais que se davam bem à sombra e os manuais aconselhavam o seu plantio. Nada disto, porém, era exato. Apesar do muro, no jardim do sr. Lindolfo proliferavam os dentes-de-leão, as leitugas, as macelas e os beldros. Enquanto isso, as rosas, as petúnias e os amores-perfeitos, se não fossem constantemente vigiados, estiolavam.

O jardim humano, mesmo assim, era bem mais complexo. Os muros que a sociedade foi construindo para salvaguardar uma pretensa moral iam desabando. Nenhum herbicida, nenhuma monda seria capaz de expurgar os dentes-de-leão da sociedade. Simplesmente porque deixaram de ser considerados ervas daninhas. São ervas entre outras, com a sua especificidade, as suas características próprias, fruto dos mil caprichos da natureza.»

Pré-publicação de Jardim sem Muro.

capa de 'Jardim sem Muro'
Título: Jardim sem Muro
Autor: José Leon Machado
Género: contos
Edições Vercial, 2007-2019
N.º de páginas: 242
ISBN: 978-972-99038-4-7
Suporte: papel e ebook

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Recensões críticas e opiniões sobre a obra:

Este é um daqueles livros que me surpreendeu muito e pela positiva. Não estava à espera de gostar tanto deste conjunto de 19 contos que, de uma forma ou de outra, aborda as relações humanas, através dos amores, das paixonetas e de outros afectos similares. Escritos de uma forma clara e precisa, sem floreados desnecessários, são histórias reais, fragmentos que poderiam ser retirados do quotidiano de cada um. E é por isso que cada leitor encontrará, numa ou noutra personagem, nalgum dos acontecimentos relatados, um ponto com que se identificar e uma história com que se comover. Sem dúvida, um livro marcante pelo seu realismo e pela forma sempre surpreendente com que nos vamos encontrando connosco próprios, esta é uma daquelas obras para saborear devagar e atentamente. Acima de tudo, é um livro em que, ao chegarmos ao final de cada conto, nos deixa na mente a sua história e as suas reflexões. Magnífico.

Carla Ribeiro, Agosto de 2009

Acabei quase de um só fôlego a leitura de Jardim sem Muro. É interessante sentir como, depois de cada história, ficamos com vontade de saber o que nos trará a próxima - ao ponto de terminarmos as páginas com o dedo ainda fresco para virar outras tantas, se as houvesse. No conjunto, o autor criou um naipe muito representativo de situações que traduzem bem os vários anjos e demónios que nos perseguem para lá das fragilidades e audácias do velho éden ou do primeiro adão. É um pouco a alma humana aqui exposta, na sua eterna busca de cumplicidades, desafios, aventuras e (des)construções de afecto e companhia. Pelo seu carácter incisivo em muito assente em frases curtas, o ritmo do texto é bastante frenético, quase viciante, com um certo lado cinematográfico que nos faz visionar as cenas e vivenciar os episódios de uma forma tangível e envolvente.

Jorge Tinoco, Março de 2010

Estava a precisar de uma leitura mais leve e bem-humorada e achei-a nesta colectânea de contos. Trata da vida de personagens que nos parecem pessoas reais, mais ainda, familiares. Poderiam ser nossos vizinhos, colegas, "portugas" como nós. Sobretudo gente do norte, muitos emigrantes portugueses, alguns professores, algumas imigrantes brasileiras... Neste livro não há deslumbres de linguagem, malabarismos linguísticos ou overdoses de recursos estilísticos. O escritor não se dispersa. Não há excessos. A escrita é enxuta e não há lugar para palavras supérfluas. (O que não é fácil de conseguir: aliás é esse o desafio do conto enquanto narrativa curta). É a ironia que confere a estes contos o seu principal factor de atracção. É difícil suspender a leitura a meio de um conto: a expectativa inquieta e diverte. O travo irónico da escrita promete a recompensa e o sorriso que vem com o ponto final.

Conheça o Calheiros, pequeno empresário da construção civil, cinquentão atrevido que tenta seduzir uma jovem estagiária com idade para ser sua filha. No conto "A Nova Gestora". Em "O Despiste", veja como o Mouta, emigrado na Suíça com a mulher e os filhos, vindo passar o Natal sozinho à terra natal, sucumbe a um momentâneo acesso de fervor religioso entre duas idas à casa de alterne local. "Internautas" é sobre as andanças de Lucas, funcionário de repartição de finanças que, aos 34 anos, apanhou o vício da Internet, dos chats românticos (será que detecto aqui um oxímoro?) e das visitas assíduas aos sites pornográficos. É numa dessas noitadas virtuais que conhece a Doidinha, fogosa brasileira, com quem inicia relação romântica e sexual transatlântica. Quanto a "Os Canalizadores", saiba que se o título do conto pode parecer banal e pouco literário, nas suas linhas vai encontrar o mito de Adão e Eva entre canos, tubos de cobre e PVC.

Recomendo vivamente a leitura destes contos em cuja leitura encontramos a ironia que reconhecemos na vida.

Ana Tarouca, Abril de 2010

A leitura de Jardim Sem Muro, para além de pedagógica, no que diz respeito às vivencias e relacionamentos entre as pessoas, foi para mim também extremamente bem humorada, fruto da sua visão perspicaz sobre a natureza humana. Chegou mesmo a passar-me pelo pensamento que, já que os psicólogos não podem prescrever medicamentos, podiam aconselhar também, a alguns pacientes mais taciturnos, a leitura de livros como este, onde me pareceu ser quase impossível alguém não ficar bem humorado com a visualização de certas situações bastante caricatas para as quais o autor consegue reportar a nossa imaginação.

Sobre este livro, também dei por mim a pensar no seguinte: Há sítios onde a atmosfera é tão pura que até faz doer os pulmões. Há belezas tão infinitas que até fazem doer a vista e há pessoas com uma sensibilidade tão elevada para absorverem a realidade humana e social que nos rodeia de tal forma que até nos fazem doer a alma. Não é uma dor negativa; é apenas o resultado de um estado de consciência e de contemplação que parece ultrapassar todas as barreiras perceptivas a que bem ou a mal nos vamos habituando. É assim que sinto em relação à percepção de quem escreve livros como este - Jardim sem Muro - os quais vou tendo o privilégio de ler, de me enriquecer intelectualmente e de crescer espiritualmente.

Susana Pereira, Junho de 2010

No Jardim sem Muro, gostei da forma como o autor aborda os temas, como traz ao de cima as lacunas sociais. Fiquei esclarecido de uma dúvida que tinha, acerca de o corpo docente deste país ser renitente à leitura. Este livro tem umas boas histórias, a do Calheiros, a da desenganada do cais, a do homem das tintas e vernizes, tudo coisas da vida real, que em alguns aspectos não nos sentimos preparados para encarar como naturais. O senhor que fez da revista um guarda-chuva merece um louvor. O autor deu-lhe um título que justificou logo na primeira página, de que gosto, mas também poderia intitular-se Episódios da Vida Real, pois em cada conto há uma lição de moral a retirar. Aconselho este livro a todos, mas principalmente aos jovens.

Ângelo Melo, Janeiro de 2011

Jardim sem Muro é uma coletânea que contém dezanove contos. O que a torna peculiar é que, em cada conto, o autor José Leon Machado, um escritor da corrente pós-moderna, retrata os flagelos de uma sociedade portadora de uma mentalidade retrógrada ou apta para se adaptar às novas circunstâncias da vida. Contos que abordam a sexualidade entre indivíduos do mesmo sexo: «Deus não destruiu Sodoma e Gomorra por causa dessas porcalhices?» (página 14); o assédio sexual; a emigração; a infidelidade matrimonial; a viuvez; a Fundação Eça de Queirós sediada em Tormes; o papel da GNR numa dimensão corrupta; os internautas que vivenciam casos amorosos virtuais; as superstições (visitas a bruxas); o suborno patronal; relações extraconjugais; a realidade dura e crua da classe docente; as casas de alterne; colecionadores – e outros que tais.

Numa literatura direcionada para todos os leitores, sem nenhum entrave que os impeça de sentir, na sua essência, o prazer de ler e de refletir sobre temas tão atuais, José Leon Machado, usando, nalguns casos, a ironia, o sarcasmo e a comédia (pois alguns contos terminam com uma narrativa aberta e/ou fechada), o escritor coloca, desta forma, o leitor perante problemas que assolam a sociedade de uma forma aberta, direta, recorrendo, na maior parte dos contos, ao erotismo, à sensualidade e abordando o sexo sem tabus.

Comer uma refeição sem pitada de sal? - Não a degustaríamos, - sem sombra de dúvida-, com o mesmo sabor.

Para quem já tenha lido algumas obras deste escritor, poderá, nesta obra, mais uma vez, deparar-se com os seus gostos literários: Eça de Queirós, Camilo Castelo Branco, …

Esta coletânea exige-nos refletir nos casos reais da vida que, muitas das vezes, nos passam ao lado. E é exatamente neste tipo de literatura que o escritor soube escrever o primeiro conto e acrescentou-lhe outros mais. Alguns fatais - sim -, mas reais. O que seria da ficção sem uma pitada da realidade? Provavelmente, uma menos valia.

Recomendo, vivamente, a leitura das 240 páginas que o compõem.

E viva a literatura! E que cada escritor, tal como este, possua a ferramenta linguística para que, na literatura, se possa libertar e, claro, fazer com que o leitor se identifique no seu mundo literário.

Cristina Teixeira Pinto, 21-05-2013

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