A VENDEDORA DE CUPIDOS
de José Leon Machado
O padre da Gralheira aparece morto na cama em Dezembro de 1943. O sacristão chama o regedor, autoridade policial da freguesia, que toma conta da ocorrência. Este procede a uma série de averiguações que vão fazê-lo ponderar na hipótese de se tratar de um crime. Vem a saber que o clérigo tinha como amante uma mulher casada. O marido, um rico proprietário que frequentava amiúde um bordel, poderia tê-lo mandado matar por despeito. Tudo se complica, porém, quando o regedor descobre que o clérigo era receptador do volfrâmio roubado da mina explorada por uma companhia alemã e suspeita que o crime, se o houve, não fora cometido por questões de honra, mas por dinheiro. Entretanto, luzes estranhas vistas durante a noite adensam um mistério que vai sendo mal interpretado. Sobre a aldeia, retrato de um país atrasado e rude, paira a ameaça da guerra. A ela se devia a periclitante situação económica vivida pelos mais pobres, com o racionamento dos produtos essenciais, as requisições obrigatórias das colheitas pelo Grémio, a revolta das populações e a repressão do governo. A ex-amante do padre, carioca transplantada para os nevoeiros da Gralheira, dá um ar de graça à história, vivendo amores, incentivando-os e protegendo-os. É ela a verdadeira heroína, que contrapõe o amor à guerra e aos interesses mesquinhos dos homens. Este é um romance de mistério, onde afinal o único mistério, num confronto directo com a literatura da moda, é não haver mistério nenhum.
Título: A Vendedora de Cupidos
Autor: José Leon Machado
Género: romance
Edições Vercial, 2010
N.º de páginas: 450
Tamanho: 150 mm x 230 mm
ISBN: 978-989-8392-13-8
Suporte: papel e ebook
Disponível na Amazon
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Entrevistas:
Recensões críticas e opiniões sobre a obra:
À lareira, terminei A Vendedora de Cupidos, do José Leon Machado, um caso notável de autor de já dez obras de ficção, metade delas editadas na sua própria Edições Vercial, porque o escritor faz questão de não deixar os seus direitos por mãos alheias. Um romance de 450 páginas confirmando a excelência de um narrador capaz de engendrar uma estória complexa, repleta de caracteres vivos e autênticos (todos uns individualistas bem acabados, cada qual procurando fazer pela vidinha) muito bem contextualizados historicamente na Gralheira, fictícia aldeia do Minho, durante a Segunda Guerra Mundial. O elenco inclui, como não podia deixar de ser, um padre mulherengo, activo, e em forma. A leitura prende até ao fim num desenrolar sucessivo e ritmado de voltas e inesperadas contravoltas. Tradicional na estrutura, a escrita é leve mas não light. O autor (professor na UTAD) mostra garra. Confirma-a, aliás, porque há muito a tem vindo a revelar.
Onésimo Teotónio Almeida, PNET Literatura, 01-01-2011
Considero A Vendedora de Cupidos de agradável leitura, tendo todos os ingredientes de um bom romance, começando pela época em que a acção se passa, em pleno período (finais) da II Guerra Mundial, por sinal no seu pior e decisivo período, que teve também as suas repercussões em Portugal, quer no alimentar da guerra com as minas e o volfrâmio para ambas as partes (Alemanha e Aliados, via Inglaterra), quer pela crise de bens essenciais, principalmente alimentares, chegando-se mesmo ao seu racionamento, mas também pelo medo constante de Portugal ser invadido. Penso que é uma excelente descrição da exploração do volfrâmio, bem como do seu negócio clandestino para o qual se constituíram autênticas máfias.
Não há romance sem amores e os amores entre os personagens foram acontecendo, com casais mais jovens ou menos jovens, mas também com os amores do padre defunto, primeiro com a jovem empregada (que o acompanhou até à morte) e depois com uma mulher casada, a Dona Glorinha, mulher de um brasileiro rico. A morte do padre, que nunca chega a ser uma verdadeira personagem neste romance, intriga o regedor Pedro Fontes. A suspeição de crime leva-o a iniciar uma investigação que nunca concluirá, dando um ar policial ao enredo e servindo de elo e fio condutor. A descrição dos amores oferece alguns momentos picantes e sensuais, dando simultaneamente a conhecer a vida da época na aldeia da Gralheira e na cidade de Braga, mas principalmente a vida numa mina de volfrâmio. No romance faz-se um pouco de história com um olhar sobre a Segunda Guerra Mundial, mas também com um olhar sobre o Portugal e os portugueses de então, a partir do alemão responsável pela mina, Hans Krüger.
Fernando Ribeiro, Abril de 2011
A Vendedora de Cupidos é uma novela que se lê com muito agrado. Tem um pouco de histórico, um pouco de romântico e um pouco de irónico. Passa-se no norte de Portugal, na região de Braga, entre 1941 e 1942. Estamos em plena 2ª Guerra Mundial e Salazar, na sua estratégia de neutralidade activa, colaborando com os Aliados, mas mostrando a sua simpatia pelos Alemães, divide a exploração das minas de volfrâmio portuguesas entre entre empresas da Alemanha e empresas da Inglaterra. A mina da Gralheira está a ser explorada pelos alemães e dirigida por Hans Krügger, um veterano da Grande Guerra, apoiante oficial de Hitler, mas duvidoso da proclamada inferioridade dos judeus.
Na povoação da Gralheira, pontificavam as autoridades da época: o Padre, o Regedor e o Presidente da Junta. Inesperadamente, o padre apareceu morto e o regedor, como administrador da justiça, toma conta da ocorrência. Rapidamente começa a aperceber-se que algo de estranho se passa e, provavelmente, o padre não morreu de morte natural. Paralelamente, temos o ricaço do lugar, um "brasileiro" que havia feito fortuna em terras de Vera Cruz e de lá tinha vindo casado com a Glorinha, uma brasileira típica. O contrabando de volfrâmio é o pão nosso de cada dia e o regedor desconfia que tenha a ver com a morte do padre e que o presidente da junta esteja por detrás dos acontecimentos. Depois de muitas peripécias, a verdade acaba por vir ao de cima e os maus são castigados, como é de bom tom. Para compor o ramalhete, há os triângulos amorosos da filha do regedor com o engenheiro da mina e um mineiro, e do filho do regedor com a filha do alemão e a filha do taberneiro. Até os marcianos vêm nas suas naves para complicar o caso...
É um livro que se lê com agrado, que dispõe bem e, ao mesmo tempo, ensina alguma coisa sobre aquela época em que as pessoas tinham muito dinheiro proveniente da exploração do volfrâmio, mas não havia onde o gastar. Chegou-se ao ridículo de sobrar dinheiro e faltar comida. Por isso, muitos o esbanjaram das formas mais ridículas e, no final da guerra, estavam tão pobres como antes.
Sebastião Barata, 22-11-2010
O autor, neste romance de mistério, recupera algumas das personagens referenciadas no anterior romance Memória das Estrelas sem Brilho , nomeadamente o Fontes, o Tibães e o Rato soldados que participaram na Guerra das Trincheiras e que sobreviveram à Batalha de La Lys, ocorrida a 9 de abril de 1918.
É um romance de mistério, pois o padre da freguesia da Gralheira, Padre Desidério, apareceu morto na cama. Perante o sucedido, o sacristão (Ti Clarindo) vai a casa do regedor Pedro Fontes para o avisar. Aos olhos da sociedade, o regedor desempenhava um papel muito importante.
Pedro Fontes tinha dois filhos: Maria de Fátima (professora primária) e Rui Miguel que, possuindo o curso de eletrotecnia, fora trabalhar para as minas. Nas minas, Pedro Fontes reencontra um ex-combatente seu amigo, o Tibães, e convida-o a almoçar. Domingos, filho do Tibães, apaixona-se por Maria de Fátima. Esta ainda namoriscou com António Brito, engenheiro de Minas, mas, quando soube que o mesmo não desfizera o seu noivado com Elsa, acabara por terminar com a relação. Rui Miguel, no final, casa-se com Eline, filha de Hans Krüger e de Helga, sua esposa que, regressados à Alemanha, enfrentaram a separação.
O regedor decide averiguar a morte do clérigo e dirige-se a sua casa. Numa das gavetas encontra uma liga vermelha rendada e, num dos bolsos da batina do padre, depara-se com um bilhete que diz: «Me espera amanhã às dez na capela de São Brás. M.C.». O padre envolvera-se com uma mulher casada: a D. Glorinha. Afinal, o padre, de santo, não tinha nada. Entretanto, nas minas, ouvira-se falar que o padre tinha um cofre e o regedor, Pedro Fontes, e seu filho decidiram inspecionar. O cofre fora oferecido por Júlio Torrão. E não é que, para abrir o tão místico cofre, a palavra secreta era «amor»? Pai e filho esconderam seis sacos de volfrâmio que aí estavam guardados. Deixaram, no cofre, as joias que os habitantes ofereciam à santa padroeira: Nossa Senhora do Bom Encontro. Entretanto, o regedor dirige-se à cidade e descobre que o padre tinha uma conta avultada e uma segunda titular. O mesmo fica inquieto e decide consultar o seu amigo e ex-alferes, o Luís Vasques, para o aconselhar. Pedro Fontes fora acusado por Altino Pinheiro, presidente da junta, por ter sido ele, quem abrira pela primeira vez o cofre do padre. Numa fase posterior, os sacos de volfrâmio foram descobertos por Ester, criada do falecido, com quem ela mantivera um caso amoroso, até ele perder o interesse e deixar-se arrastar pela brasileira. Mais tarde Ester aparece morta, tendo sido a autora do roubo das joias.
Mais tarde, o regedor, na visita à Quinta dos Barbadinhos, propriedade do Sr. Júlio Torrão e de sua esposa D. Glorinha um quadro desperta-lhe a atenção. Nele se representa uma cena de inspiração greco-latina: Uma matrona, sentada com uma criada de pé atrás de si, recebia de uma vendedora, ajoelhada à sua frente com um cesto na mão direita, um cupido alado. Trata-se da Vendedora de Cupidos, reprodução de uma pintura de um autor francês.
Júlio Torrão emigrara para o Brasil aos 14 anos e enriquecera por lá. Tornou-se, deste modo, num dos homens mais ricos de Braga. No Brasil, caiu de amores por D. Glorinha uma carioca mais nova do que ele vinte e três anos. Júlio Torrão nunca soube que a mesma estava à espera de um filho seu, quando o mesmo se ausentou de regresso a Portugal, e a mesma, julgando que o seu amado não regressaria, abortou aos 4 meses. Casou-se com ele, sem nunca ter desvendado o segredo. Só mais tarde, após vinte e tal anos, voltou a engravidar, dando-lhe um filho varão: Alexandre. Este, vendo um pai sexagenário, tratava-o por avô.
Em Portugal, a situação social era grave: as pessoas continuavam a subsistir da agricultura, contribuindo para o Grémio (responsável pelo racionamento e requisições dos produtos agrícolas); contudo, as minas de volfrâmio constituíram uma fonte de rendimento para muita gente. O volfrâmio era explorado desde 1910 por empresas alemãs e portuguesas. Portugal, com uma riqueza mineralífera inigualável, poderia servir a Alemanha por mais de trezentos anos.
Hans Krüger tinha chegado a Portugal no final de 1941. Deixara para trás a sua família: a esposa e dois filhos. Era responsável pelas minas da Gralheira. Com o início da guerra, o Instituto de Geologia e Minas concedera alvarás de exploração a várias empresas inglesas. Em Lisboa, o embaixador alemão pressionava Salazar a acabar com a exploração inglesa, comprometendo-se a Alemanha a comprar toda a produção a um preço um pouco mais alto. Na gíria dos mineiros, o volfrâmio era denominado por «mamata».
Algumas coisas misteriosas se passavam na mina da Gralheira. Um dia, apareceu aos olhos de Hans um pretenso anjo que lhe anunciara que o seu filho, tenente do exército em Varsóvia, fora ferido numa batalha e morrera. O mesmo anjo lhe disse que Hans poderia mudar o curso da guerra. Mais uma vez, neste romance, o autor faz referência à aparição de Nossa Senhora de Fátima, pondo o leitor a refletir sobre o mesmo assunto: Terá sido alucinação dos três pastorinhos, ou fora algum fenómeno inexplicável? Rui Miguel, entretanto, sugere ao alemão que o fenómeno, provavelmente, teve a intervenção dos marcianos.
Este livro permite-nos uma leitura bastante fluente, recordando termos que já não ouvimos há muito tempo e estimulando o interesse pelos acontecimentos vivenciados pelos nossos antepassados.
Cristina Teixeira Pinto, 13-06-2012
Tido como o 2º volume de uma trilogia em que o autor se propõe a narrar a situação de Portugal durante três conflitos, sendo que o primeiro volume foi o excelente Memória das Estrelas sem Brilho onde o enredo se situa durante a 1ª Grande Guerra, este volume, A Vendedora de Cupidos, situa-nos entre 1943 e 1945 em plena 2ª Grande Guerra e tem como plano de fundo um Portugal rural, onde as suas gentes levam uma vida de trabalho e sofrimento sempre com receio que a guerra que está a suceder na Europa os envolva.
O livro inicia-se com a morte do padre da Gralheira em Dezembro de 1943 que aparece morto na sua cama. Aparentemente falecido de morte natural, o regedor, autoridade policial da freguesia, é chamado para averiguar a ocorrência, procedendo a uma série de averiguações que o irão fazer ponderar na hipótese de se ter tratado de um crime. Nas suas investigações, irá descobrir que o padre de santo tinha muito pouco e que se havia envolvido com uma mulher casada, e casada com um homem rico e importante e, para além disso, que esse padre estava envolvido no desvio de volfrâmio de uma mina explorada por uma companhia alemã.
É, digamos, esse o ponto de partida para um enredo que, na minha opinião, não tendo a qualidade e o interesse do livro antecedente, é, porém, bem conseguido e que nos lança numa série de eventos muito interessantes e que nos irão dar a conhecer um Portugal profundo, cheio de superstições e de conceitos que, a meu ver, pouco mudaram, ou seja, é possível perceber que a mentalidade lusitana pouco ou nada mudou desde essa altura.
Por outro lado temos também a questão da extração do volfrâmio e dos jogos políticos do governo português que, de bem com Deus e com o Diabo, permitiram Portugal ser uma nação neutra e assim evitar a invasão nazi que paira desde o início. Percebemos, dessa forma, como se jogaram os dados, satisfazendo ambos os lados do conflito e a importância vital que o volfrâmio teve.
Mas e tirando esse facto histórico, temos um enredo que gira de início a fim sobre a misteriosa morte do padre, trazendo-nos alguns personagens do livro anterior, pese embora tenham uma participação secundária, porém uma participação que gostei, embora não me tivesse importado que a sua participação tivesse sido mais incisiva.
De salientar também as várias "considerações" que o autor vai fazendo ao longo da obra: "A justiça nunca foi feita para castigar os criminosos. A justiça existe para salvaguardar os seus interesses e livrá-los do castigo." Às tantas, numa conversa onde se fala sobre os Lusíadas, alguém afirma: "A visão que dá dos portugueses é uma farsa. Nós não somos um povo de heróis. Somos um povo de ladrões e oportunistas", e outras considerações pouco abonatórias para os políticos...
Em todo o caso gostei muito do livro e vou procurar ler agora o terceiro volume: Heróis do Capim, este editado em 2016.
Miguel Chaica, Blog nLivros, 23 de janeiro de 2017