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Ensaios


A vila de Ponte de Lima na rota do pitoresco romântico

1. A moda romântica das viagens

. Educar o Povo, democratizar a Cultura

A revista O Panorama, com o subtítulo inicial de "Jornal Literário e Instrutivo da Sociedade Propaga-dora dos Conhecimentos Úteis", foi uma publicação fundada por Alexandre Herculano e outros intelectuais românticos. Tinha periodicidade semanal, saindo aos sábados. Animada por intuitos divulgadores, constituíu um caso raro de popularidade a partir do ano em que foi publicada (de 1837 até 1868). Assemelhava-se a outras publicações da europa do tempo, como o Magasin Pitoresque ou o Musée des Familles.

Tematicamente muito diversificada, esta "enciclopédia do povo" apresentou-se desde o início como um apreciável instrumento de democratização da ciência, da cultura e da literatura, objectivo defendido e assumido repetidamente pela estética e poética românticas. Numa palavra, O Panorama constituía o veículo da civilizaçã, assim resumiram os editores o propósito magno duma publicação animada por um tardio espírito iluminista e pedagógico-informativo.

. Viajar e conhecer a nossa terra

Na sua confessada preocupação pedagógica, esta revista romântica O Panorama continha uma secção sobre Portugal, onde se íam descrevendo, número a número, as várias regiões do país, caracterizando com maior ou menor dose de pitoresco e amor ao que é nosso, as suas gentes, os seus hábitos e costumes, as suas crenças e superstições, etc. Estes textos, relativamente breves, configuravam-se, deste modo, como uma espécie de viagens na nossa terra, género imortalizado por Almeida Garrett.

Falar em Garrett e nas suas Viagens na Minha Terra, também elas publicadas acidentadamente em forma de foilhetim periódico nas páginas da Revista Universal Lisbonense (1843-54), equivale a relembrar que o género da literatura de viagens foi um dos mais cultivados pela literatura romântica da primeira metade do séc. XIX. Depois do exemplo de Almeida Garrett, viajar por Portugal, descobrir e revalorizar as nossas tradições, tornou-se uma moda, era chic. Percorrer o país, deambular pelos lugares mais pitorescos, fazer crónica das terras, das impressões de viagem, comentar o estado da nação ou demandar pretextos evasivos, era um imperativo de consciência e uma inclinação da alma para o intelectual e artista romântico.

O próprio Garrett tem consciência desta moda, divulgada sobretudo no estrangeiro, por exemplo, com as obras de Goethe, viajando por Itália, ou de Chateaubriand, por terras americanas (René e Atala) ou ao longínquo e mítico Oriente (Itinéraire de Paris a Jérusalem), no que é imitado por Victor Hugo (Orient).. Por isso, não deixa de sublinhar, logo no início das suas Viagens, que a sua obra não se confundia com muitas outras, publicadas sob o lema de Impressões de Viagem. Na ambígua e sedutora ironia das suas Viagens na Minha Terra, essas obras não passavem de "rabiscaduras da moda que, com o título de Impressões de Viagens, ou outro que tal, fatigam as imprensas da Europa sem nenhum proveito da ciência e do alinhamento da espécie". Opostamente, a sua obra multifacetada era uma viagem crítica e simbólica sobre o estado da Nação, tomando como exemplo o Ribatejo e sobretudo a Vila de Santarém. Sem deixar de ser uma obra de arte literária, era também um pronunciamento político-ideológico, tomando como ponto de partida a deambulação geográfica.

. Impressões de viagens

O génio romântico, marcadamente cosmopolita, tinha uma curiosidade insaciável de conhecer. Os românticos tinham uma espécie de febre deambulatória. Ora, como sabemos, a viagem sempre foi um meio privilegiado de conhecimento. Ontem como hoje, viajava-se lá fora, por longes terras, mas também cá por dentro das nossas fronteiras. Antes e depois de Almeida Garrett, já outros escritores, eivados pelo gosto romântico do isolamento e da intimidade com a natureza, se tinham refugiado em deambulações pelas paisagens ora montanhosas ora agrestes, bem como pelos campos verdejantes do Minho, re-descobrindo todo o encanto e variedade da província nortenha. Aliás, o próprio Almeida Garrett, ao deter-se na beleza da charneca e do vale de Santarém, não se esquece de salientar, nas Viagens na Minha Terra (Cap. 8), a "amenidade bucólica de um campo minhoto de milho, à hora da rega, por meados de Agosto".

Deste modo, e ilustrando muito sumariamente, alguns escritores românticos preferiram viajar, descritivamente, cedendo a tonalidades mais ou menos ultra-românticas, por paisagens privilegiadas, como as serras da Lousã, do Buçaco ou de Sintra1. Esse foi o caso de Adriano Pereira Forjaz de Sampaio (Uma Viagem à Serra da Lousã em Julho de 1838 e Memórias do Buçaco, 1838-39). Bulhão Pato, um dos colaboradores do Panorama, caricaturado por Eça na figura de Alencar, é também o autor de obras valorizadoras do pitoresco paisagístico: Paisagens (1871) ou Sob os Ciprestes (1877). Outros escritores e cronistas aventuraram-se por províncias mais ou menos afastadas da capital, como foi o caso de Francisco Gomes Amorim, que escreveu umasViagens no Minho (ver Panorama, 1853), tal como A. Herculano, a quem também se deve a narrativa cronística De Jersey a Granville. Já um senhor chamado J. J. da Silva Pereira Caldas contenta-se em pintar As Caldas de Vizela no Minho. Pela província minhota também viajaram, e sobre ela escreveram, conhecidos e variados escritores, como José Augusto Vieira, Ramalho Ortigão ou mesmo Camilo.

Neste capítulo, embora já na segunda metade do séc. XIX e sem preocupações de escola, merece destaque José Augusto Vieira, o clássico autor d'O Minho Pitoresco, publicado em 2 vols., em 1886-7, obra de grande valor etnográfico e cultural. Para este meticuloso viajante, e para toda uma tradição cultural, a província do Minho é o jardim de Portugal — "berço onde se embalou a nacionalidade portuguesa, o Minho tem sido o tabernáculo sagrado das nossas tradições étnicas, subversivo e revolucionário no momento das grandes crises nacionais, cultivador da terra na tranquilidade bucólica da paz, amoroso de raça, emigrador e fecundo por condições de meio".

Por fim, outros cronistas ainda, levando mais a peito o preceito romântico da evasão por terras mais ou menos longínquas e exóticas, descreverão viagens efectuadas por terras estrangeiras: por exemplo, D. António de Almeida elabora os seus Apontamentos de uma Viagem à Itália. Também Lopes de Mendonça publica as suas Recordações de Itália (1852-53). Júlio César Machado segue o exemplo, com Recordações de Paris e Londres (1862), entre outras obras do mesmo teor (Em Espanha ou Do Chiado a Veneza). Francisco Mª. Bordalo conta-nos nada mais nada menos que as suas Viagens na África e na América, mas ainda uma Viagem pitoresca à roda do mundo e aos dois pólos. Nas Viagens, Garrett não resistirá a fazer a caricatura do excesso da literatura romântica de viagens, quando se refere às "rabiscaduras da moda" que vão aparecendo, em Portugal e sobretudo no estrangeiro, "com o título de Impressões de Viagens".

Convém ainda não esquecer, a título de exemplo, as crónicas de viagem da geração realista, menos evasionista e menos atraída pelo pitoresco ou exotismo, e bem mais cosmopolita e viajada que a anterior, e, sobretudo, marcada por um certo pessimismo decadentista. Por exemplo, de Eça de Queirós, O Egipto, em publicação póstuma, sem esquecer as Cartas de Paris ou até A Cidade e as Serras. De Ramalho Ortigão, Em Paris e A Holanda, entre outras obras. De Oliveira Martins, A Inglaterra de Hoje (Cartas dum Viajante). E de Jaime Magalhães Lima, Cidades e Paisagens (1889). Já no final do século, também Alberto Pimentel publicava Crónicas de Viagem (1880) e Viagem à Roda das Viagens (1899).

Genericamente falando, o escritor romântico, apesar de viajado, (re)descobre no Portugal interior as nossas raízes e a beleza natural. Diferentemente, o escritor realista prefere equilibrar as cores cruas da descrição da sociedade com a viagem a Paris, nova Atenas, para um banho lustral de civilização, que não encontra no Portugal provinciano. Dotado de outra visão de mundo e armado de um maior espírito crítico, em vez de devaneio pitoresco, o escritor realista viaja movido por razões educativas. Nas suas narrativas cronísticas, faz uma espécie de inquérito às modernas civilizações, sempre com olhos postos na reforma de Portugal.

Resumindo, a literatura de viagens foi, de facto, um género florescente na escrita oitocentista, romântica ou realista, além de se constituir como um dos motivos mais recorrentes de toda a literatura portuguesa2. A somar a esta brevíssima amostra sobre a viagem na cultura e literatura do séc. XIX, temos que nomear apenas as impressões de viagens que alguns intelectuais estrangeiros efectuaram ao nosso país e à bela região limiana, nomeadamente durante o século passado3.


2. Ponte de Lima n'O Panorama


Ora, justamente nas págs. 33 a 34 do nº 196 d'O Panorama, datado de 30 de Janeiro de 1841, deparamos com uma descrição pitoresca da amenidade da Vila de Ponte de Lima, num texto ilustrado com a reproidução da célebre litografia do inglês G. Vivian (Ponte de Lima, 1839), escolhida para a capa do citado número do magazine romântico.

Deste artista inglês, que publicou, em Londres, no ano de 1839, um livro intitulado Scenery of Portugal & Spain, ficaram também conhecidas, por ex., os trabalhos litográficos sobre Sinta ou Leiria, datados do mesmo ano. Infelizmente, ou não, pouco ou nada sabemos sobre a vida e obra deste G. Vivian. Ficou-nos o mais importante: o seu curioso trabalho artístico sobre Ponte de Lima. Vejamos, então, com que pinceladas românticas nos aparece descrita uma vila pitoresca do Minho, para os olhos de um anónimo colaborador da divulgada publicação de Alexandre Herculano.

Vejamos, então, o que nos diz o anónimo texto do popular magazine romântico, enquanto o leitor e eu admiramos esta interessante visão artística da bela vila limiana. N'O Panorama, a gravura é reproduzida a sóbrio traço negro, mas o leitor conhece certamente o luminoso colorido do trabalho de G. Vivian.

. "Forum limicorum" romano

Logo a abrir o texto, localiza-se geograficamente a vila de Ponte de Lima e ressalta-se sobretudo a sua "origem remota", lendo-se: "Asseveram os historiadores que neste lugar ou muito próximo existia a cidade, denominada pelos romanos forum limicorum, por ter sido fundada pelos povos límicos, que do rio, cujas margens habitavam, derivavam o nome". Esta correlação da vila com o forum limicorum é mais fundada em lendas do que em documentação histórica — uma "velha tradição", como já escrevera, neste século, o Conde d'Aurora, no seu Roteiro da Ribeira Lima. Já o tinha feito também José Augusto Vieira, n'O Minho Pitoresco, entre muitos outros autores.

Insistindo no esclarecimento da localização do antigo forum limicorum, o autor do texto afirma que as referências a esta localidade romana ocorrem sobretudo a partir do séc. II d.C., por causa do chamado itinerário do imperador António Pio, que o menciona a apenas algumas léguas da célebre Bracara Augusta. Por tudo isto, mostra-se peremptório na conclusão: "Com outras razões se prova que a sobredita povoação não estava muito arredada do mar, circunstância que também se verifica na actual Ponte de Lima. A sua presente situação é na margem esquerda do ameno Lima, posto que do outro lado da sua ponte magnífica conte bom número de habitantes no seu maior arrabalde, a que chamam rua d'além da ponte, pertencente à freguesia de Santa Marinha de Arcozelo".

A esta antiga povoação romanizada, acrescenta-se outro dado geográfico: o facto de ela se situar "na via militar, que de Braga saía para Astorga por Tui e Lugo". Esta era uma importante via por onde os romanos "transitavam com frequência". Dada a relevância estratégica da localização do povoado limiano, não admira que os romanos o tivessem escolhido para nele construir uma ponte, para assim facilitar as comunicações: "é de crer que este povo [os romanos], que por toda a parte deixou vestígios grandiosos da sua dominação, fosse o primeiro que sobre o Lima erigisse uma ponte nesta paragem".

Mais tarde, também os árabes terão passado por cá, não deixando vestígios palpáveis nas suas incursões, como sumaria o articulista: "Os sarracenos nas amiudadas invasões em que por esta parte de Portugal acometeram a Galiza, assolaram a velha Ponte de Lima por tal forma que poucos sinais da sua existência deixaram".

. Fundação da vila medieval

Recorda-nos o autor do texto que terá sido com D. Teresa (e o infante D. Afonso Henrique) que, nos primórdios do séc. XII, ocorreu a repovoação e fundação da vila de Ponte de Lima, através da concessão de um foral em 1125, portanto ainda antes da consolidação de Portugal como estado soberano e independente: "Corre por certo que a rainha D. Teresa e seu filho D. Afonso Henrique a fizeram repovoar pelos anos de 1125, dando-lhe foral com muitos privilégios", revalidado depois por D. Afonso II e, mais tarde, por D. Manuel.

Defende-se, porém, no texto d'O Panorama de Herculano, que o verdadeiro fundador da vila de Ponte de Lima foi o rei D. Pedro, em meados do séc. XIV, e com esta justificação: "Não valeu isto para que com as vicissitudes do tempo deixasse de ser outra vez tão lastimosamente arruinada que se viu reduzida a limitado número de mesquinhas choças, até que el-rei D. Pedro I, transferindo-a, em 1360, do assento que ocupava abaixo do concento franciscano, para junto da ponte que também fez construir lançada entre duas torres para defesa, fortificando além disso a vila com grossas muralhas, torreadas e guarnecidas de barbacãs; por tal maneira que foi D. Pedro, o justiceiro, o fundador da moderna Ponte de Lima: neste circuito amuralhado mandou abrir cinco portas, que tomaram as seguintes denominações: a do souto, com uma capela de S. Benedito; a do postigo; a da ponte com uma capela a N.ª S.ª do Rosário; a de S. João com outra dedicada a este santo, outrora festejado com sumptuosas festividades; e finalmente a do palácio dos viscondes, alcaides-mores da vila, solar da ilustre família dos Limas". Em rigor, para além das mencionadas, a edificação fortificada da vila comportava mais duas portas4.


. Descrição da vila

Depois de uma panorâmica sobre a sua localização e devir histórico, chega o momento de o autor se deter numa breve mas significativa descrição da vila de Ponte de Lima. A pintura de tonalidade romântica, ressaltando o pitoresco e amenidade de uma vila alto-minhota banhada pelo rio Lima, recorta-se nos seguintes traços: "A vila está numa posição muito aprazível; o seu termo é abundante de cereais e frutos; é terra mimosa de mantimentos saudáveis e saborosos. A sua maior notabilidade é a ponte, construída sobre 24 arcos, 16 dos quais de construção gótica revelam ainda a obra primitiva, porque a existente foi em tempos modernos reconstruída: atravessa o Lima, caudal em águas e orlado de pitorescas e fertéis margens, despido da monotonia daqueles que vão cortando uniformes campinas e do estrépito dos que se despenham de rochas alcantiladas, impérvias aos curiosos".

É tão forte a impressão de encanto causada pelo o rio , que o autor, à falta de palavras para descrever a beleza do enquadramento, recorre à voz autorizada de um poeta que celebrou em verso a paisagem bucólica do Lima, Diogo Bernardes, autor das Flores do Lima e d'O Lima: "O Lima saudoso e fresco foi imortalizado pela suave lira do nosso Diogo Bernardes, de cujas rimas, omitindo outras passagens, citaremos somente esta, da écloga 15ª: O rio que verás tão sossegado / Que te parecerá que se arrepende / De levar a água doce ao mar salgado. Ao mesmo tempo, como poderia um escritor destes tempos nostálgicos e românticos ficar alheio ao encanto de uma lenda como a que, tracicionalmente, associava o Lima ao Lethes?!


. Lima ou Lethes

Para realçar a profunda atracção que as doces águas do rio causavam em quem nelas deleitava o olhar ou o paladar, recorda-nos ainda o autor do texto a antiga lenda que identifica o rio Lima como sendo o mitológio Lethes, o temido rio do esquecimento: "Este rio querem autores que fosse o celebrado Lethes da antiguidade, que com suas águas fazia esquecer da pátria e dos sucessos passados aqueles que as bebiam. Esta propriedade será uma alegoria, porque as margens são amenas e não duvidamos que muitos prefeririam habitá-las ao [do que] voltar à pátria, por mais encantos que tivesse o solo onde abriram os olhos à luz do dia". Por outras palavras, ver o rio Lima e a paisagem que o emoldorava, era amá-lo e desejar viver junto às suas margens, esquecendo tudo o resto.

Para salientar a antiguidade desta comparação mitológica, que associava o Lima ao Lethes, ou rio do Esquecimento, cita-se um autor romano do séc. I, Sílio Itálico (de nome completo: Tiberius Caius Silius Italicus, nascido talvez em Espanha ou Itália), autor de um poema épico (Púnica) sobre a II Guerra Púnica: "Claro está que por metáfora falou Sílio Itálico, o cantor da guerra púnica, chamando Lethes ao rio Lima, porque muitos romanos ficariam por cá esquecidos do lodacento Tibre". Segue-se a confirmação do uso desta metáfora poética por outros autores portugueses, como é o caso do geógrafo e historiador alcobacence Fr. Bernardo de Brito; do culto polígrafo e crítico camoniano Manuel Faria e Sousa; mas, sobretudo, do já citado Bernardes, natural da comarca, [que] diz na elegia 7ª: Junto do Lima, claro e fresco rio, / Que de Lethes se chamou antigamente.

Com o Conde d'Aurora, no seu já citado e nunca demais apreciado Roteiro da Ribeira Lima, acrescentaríamos nós ainda outros textos poéticos. Por ex., de Fr. Agostinho da Cruz: Ó som daquelas mansas limianas; / daquelas que já foram noutra idade / Com o nome de Lethes celebradas. O seu irmão Diogo Bernardes tembém escreveu: Junto do Lima claro e fresco Rio / Que Lethes se chamava antigamente. Ou ainda, na boca do cantor do Neiva, Sá de Miranda: Pela praia do Lima, abaixo e arriba / Que tem tanta virtude de esquecer.

Termina o texto do magazine romântico com uma informação reveladora do significativo peso demográfico da vila de Ponte de Lima: "Ponte de Lima, que com seus arrabaldes, segundo o testemunho dos geógrafos portugueses do começo do século passado, contava então setecentos vizinhos, terá hoje umas duas mil almas de população. A sua igreja paroquial é um nobre e espaçoso templo, consagrado a N. S. d'Assunção".

* * *

Ora aqui temos como, em duas páginas de uma das mais influentes publicações periódicas do nosso Romantismo português, O Panorama, se descrevia, há cerca de 160 anos, a bela vila alto-minhota de Ponte de Lima. Desconheço se alguém, no espaço da cultura limiana, terá comentado já este pequeno texto, ou apreciado criticamente a obra de G. Vivian. Nem interessa também discutir, aqui e agora, a veracidade e o rigor das informações; nem sequer comentar o estilo usado. Importa, isso sim, salientar a atracção dos românticos por espaços rurais e pitorescos, sobretudo pelos que manifestavam marcas da História e haviam sido enriquecidos por lendas e tradições. Como vemos, era esse justamente o caso da sedutora e "mui antiga" vila de Ponte de Lima, de remota e quase lendária origem.

NOTAS:

1 Com os seus encantos paisagísticos e arquitectónicos, Sintra foi, paradigmaticamente, um dos lugares que mais fascinou os românticos portugueses e estrangeiros. Que o digam, por exemplo, espíritos tão cultos e viajados como os ingleses William Beckford, ainda em finais do séc. XVIII, ou o poeta Lord Byron, que por lá passaram, absolutamente embevecidos com a beleza daquele cenário, como W. Goethe fará através da paisagem italiana, verdadeiro paraíso dos românticos do norte europeu. Como exemplo das impressões de viagens de estrangeitos pelo nosso país, veja-se a a interessante antologia, org. por Maria Laura Bettencourt PIRES, Portugal Visto Pelos Ingleses, Lisboa, INIC, 1981, em particular a primeira e a última secções, intituladas respectivamente: "Textos Literários" e "Relatos de Viagens".

2 Quase todos os estudos sobre a literatura oitocentista assinalam a moda da literatura de viagens, bastando apenas um exemplo: um dos primeiros historiadores a fazê-lo no princípio deste século foi Fidelino de Figueiredo, em História da Literatura Romântica, 2ªed., Lisboa, Liv. Clássica Editora, 1923, pp. 301-304. Ainda há pouco tempo se organizou um colóquio dedicado precisamente à relevância da literatura de viagens na História da Literatura Portugesa: ver Ana Mª. FALCÃO et alii (Org.), Literatura de Viagem (Narrativa, História, Mito), Lisboa, Cosmos, 1997.

3 Aliás, já antes, quando ainda não estava instituída a moda romântica de viajar, fora publicada uma curiosa e singular obra do culto Lima BEZERRA, Estrangeiros no Lima (2 vols., 1785 e 1797). Mais recentemente, são conhecidos relatos de outros espíritos viajados, que, nas suas andanças, passaram pela terra limiana, deixando-nos impressões de viagem. Sirvam de exemplo as páginas epistolográficas de William Morgan KINSEY no seu Portugal Ilustrated, de 1828. A este propósito, cf. o artigo de Chloë PARROT e António Carlos MATOS, "Ponte de Lima por Kinsey em 1827", Arquivo de Ponte de Lima, vol. VII (1986), pp. 117-127.

4 Para uma visão mais actualizada sobre estas informações oitocentistas acerca da Vila de Ponte de Lima, vejam-se os seguintes estudos: Carlos A. Ferreira de ALMEIDA, Alto Minho, Lisboa, Presença, 1987, p. 101; e Amélia Aguiar ANDRADE, Um Espaço Urbano Medieval: Ponte de Lima, Lisboa, Livros Horizonte, 1990, pp. 14 ss.

(Texto publicado no Anunciador das Feiras Novas [Viana do Castelo], vol. XV (1998), pp. 17-24.)

J. Cândido Martins (Universidade Católica Portuguesa – Braga)

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